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LIVROS/LANÇAMENTOS
"PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: CONGO"
Che fracassa como Tarzan do Congo
MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Che Guevara disse
a Gamal Abdel Nasser que
pretendia liderar um grupo de
guerrilheiros cubanos no Congo,
o presidente egípcio se alarmou.
Alertou o argentino que ele iria
acabar mal se quisesse ser um
"Tarzan, um homem branco entre os negros, liderando-os e protegendo-os".
Guevara não registra a advertência de Nasser no seu "Passagens da Guerra Revolucionária:
Congo", o que é sintomático. "Esta é a história de um fracasso" é a
primeira frase do livro. O malogro
é bem detalhado, o que dá ao relato um ar cômico involuntário.
Mas o autor jamais admite que a
raiz da derrocada estava na sua
prepotência política: um punhado de iluminados formaria o "foco" e revolucionaria a massa ignara.
Em abril de 1965, Guevara chegou ao Congo. Era o próprio Tarzan: estava acompanhado por 13
soldados cubanos, todos negros.
Não podia, contudo, apresentar-se como o guerrilheiro de boina
dos pôsteres, o líder de cavanhaque da revolução cubana.
Ele não quis dizer aos dirigentes
do Exército de Libertação Nacional que estava indo ao Congo para
ajudá-los porque temia não ser
bem recebido.
Apresentou-se então como Tato, um médico de rosto escanhoado, o único branco que se juntara
ao contingente cubano porque sabia falar francês. Queria criar um
fato consumado: estava ali e não
poderia ser mandado de volta para Cuba.
Sua suspeita estava correta. Ao
saber que Che estava no país, Laurent Kabila, vice-presidente do
Conselho Supremo da Revolução
do Congo, proibiu que ele revelasse sua identidade. Proibiu também que ele visitasse as frentes de
combate. Em francês, a língua do
colonizador, Guevara conseguia
se comunicar apenas com os chefes tribais, e não com a base camponesa ou com a soldadesca, que
falavam "swahili".
Os guerrilheiros congoleses,
Guevara logo constatou, eram indolentes e medrosos. A maioria
debandava logo que o primeiro tiro era disparado, largando suas
armas. A diversão preferida deles
era se embebedar com "pombe",
destilado da fermentação da
mandioca e do milho. Ou então ir
ao bordel da cidadezinha mais
próxima. O principal problema
de saúde da tropa não eram ferimentos em combate, e sim doenças venéreas.
Os nativos ligavam mais para a
"dawa" do que para o treinamento militar. A "dawa" era a mágica
que evitava que seus corpos fossem perfurados por balas. Quando ela não funcionava, botavam a
culpa no feiticeiro que a preparou.
Para se manterem, os guerrilheiros congoleses assaltavam e
saqueavam camponeses que estavam libertando do jugo imperialista. "A característica fundamental do Exército Popular de Libertação era a de ser um Exército parasitário", escreve Che Guevara.
"Não trabalhava, não treinava,
não lutava e exigia da população
abastecimento e trabalho, às vezes
com extrema dureza."
Ninguém se entendia. Os soldados africanos se recusavam a carregar peso. "Não sou cubano", diziam eles. Os cubanos os tratavam
com desprezo. Os líderes do Exército Popular eram malvistos pelas
suas tropas, pois pouco apareciam nos acampamentos, preferindo ficar nos bordéis ou na vizinha Tanzânia. Os dirigentes da
guerrilha não gostavam de Guevara, que lhes fazia cobranças. Os
guerrilheiros congoleses, divididos em etnias e tribos, se hostilizavam permanentemente, apesar
de em teoria estarem na mesma
trincheira.
Os soldados cubanos, por sua
vez, começaram a se insurgir contra Che. Não entendiam por que
deveriam lutar numa guerra em
que seus camaradas africanos só
tinham uma forma de combater:
fugindo. Também se ressentiam
da brutalidade de Guevara, que
lhes dava ordens rígidas e logo se
retirava para sua cabana, onde lia,
escrevia e padecia de ataques de
asma.
O Exército de Libertação Popular era financiado e equipado pela
União Soviética, China e Bulgária,
além de Cuba, que enviou mais de
cem soldados para o Congo. Estava mais bem armado que o Exército do ditador Moise Tshombe,
apoiado pelos Estados Unidos,
que contava também com mercenários belgas e sul-africanos.
Militarmente, não havia comparação entre as duas forças. O
Exército de Libertação contava
com um armamento moderno e
em maior quantidade que o das
forças de Tshombe. Mas o Exército convencional tinha disciplina e
treinamento.
Resultado: em sete meses, Che
Guevara e os cubanos foram encurralados numa margem do lago
Tanganika, de onde fugiram às
pressas para a Tanzânia.
Em Dar-es-Salaam, capital da
Tanzânia, Guevara se refugiou na
embaixada cubana. Ali escreveu
"Passagens da Guerra Revolucionária: Congo". Durante 30 anos,
Fidel Castro impediu que o livro
fosse divulgado. Só quando apareceram cópias clandestinas, o ditador cubano tomou a iniciativa
de publicá-lo oficialmente.
A censura faz sentido: mais que
a derrota, o que sobressai no livro
é a irresponsabilidade de Castro e
Che. Ambos estavam atritados
nos meses que antecederam a
aventura no Congo. A industrialização de Cuba, concebida por
Guevara, não dera em nada. Fidel
se aproximou mais e mais da
União Soviética e aceitou que Cuba voltasse a ser o que sempre foi
em termos econômicos: uma ilha
monocultora de cana-de-açúcar,
dependente de uma grande potência.
Guevara não divergiu de Fidel.
Mesmo porque não tinha uma linha política alternativa. Limitava-se a criticar a URSS de tempos em
tempos. Na prática, porém, não
tinha lugar na direção do Partido
Comunista Cubano. Acresce que,
como quando saiu do México para participar da revolução cubana, seu casamento (o segundo)
acabara.
Dessa conjunção nasceu a idéia
de Guevara sair de Cuba para levar a revolução militarmente a
outro país. Guevara queria ir para
a Argentina. Como o Partido Comunista local combatera com vigor a tentativa de implantação de
um "foco" guerrilheiro no país, a
alternativa foi deixada de lado.
Surgiu então o Congo. A "débâcle" africana não mudou Guevara. Ele queria ficar longe de Cuba,
onde sua carta de despedida havia
sido divulgada um mês antes de
fugir para a Tanzânia. Foi para a
Bolívia, onde não havia nem um
esboço de Exército de Libertação.
Lá morreu, tão isolado como estivera no Congo.
A história fez uma última ironia
com Che Guevara. No derradeiro
parágrafo de "Passagens da Guerra Revolucionária", ele afirma que
"o único homem com condições
de dirigente de massas" do Congo
é Laurent Kabila. Em seguida, diz
que o líder não é sério, não conta
com uma ideologia que lhe guie a
ação e não tem espírito de sacrifício. Guevara conclui o raciocínio
afirmando ter "dúvidas muito
grandes" de que Kabila "possa superar seus defeitos no meio em
que atua".
Laurent Kabila chegou ao poder
em 1997. Logo proibiu o funcionamento dos partidos de oposição, baniu os grupos de defesa
dos direitos humanos e manipulou conflitos étnicos na fronteira
do Congo com Ruanda. A sua
obra, até agora, é dupla: construiu
uma das ditaduras mais ferozes
da África e forçou uma guerra civil que já matou 1,7 milhão de pessoas. Kabila era bem pior do que
Che Guevara jamais imaginou.
Passagens da Guerra Revolucionária: Congo
Pasajes de la Guerra Revolucionaria:
Congo
Regular
Autor: Che Guevara
Tradução: Ana Carla Lacerda
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (266 págs.)
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