São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2000

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"A MULHER HABITADA"

Nicaraguense une amor e revolução

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Até publicar "A Mulher Habitada", em 1989, a nicaraguense Gioconda Belli tinha escrito somente poesia -cinco coletâneas, entre as quais "Linea de Fuego" (Linha de Fogo), que lhe valeu o prêmio literário Casa das Américas de 1978.
Para seu primeiro romance, Belli levou a mesma convicção: a de que é possível escrever poemas de amor que sejam também revolucionários, que possam combinar experiências pessoais com experiências coletivas. Nascida em Manágua em 9 de dezembro de 1948, Belli estudou na Espanha e nos EUA antes de voltar para seu país e se tornar uma militante da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), movimento guerrilheiro que derrubou Anastasio Somoza em 1979.
Tanto a poesia quanto a prosa de Belli seguem a melhor tradição da literatura nicaraguense contemporânea, de forte inspiração político-revolucionária e calcada no mítico exército de camponeses criado por Augusto Sandino, em 1927, para combater as tropas norte-americanas.
Em seu primeiro texto em prosa, Belli vai mais longe na história. Tira da invasão espanhola, há 500 anos, Itzá, guerreira que defendia, ao lado de seu amante Yarince, o território centro-americano contra os espanhóis. Itzá é também o ancestral espírito lutador que "habita" (daí o título) a protagonista Lavínia (alter ego da autora), jovem mulher em busca de um sentido para sua vida. Ao voltar de uma temporada de estudos na Europa, Lavínia engaja-se na luta de guerrilha contra a ditadura militar, com seu namorado, Felipe.
O entrelaçamento das histórias dessas duas mulheres é que dá forma à narrativa forte e convincente de Belli.
"Sinto o sangue de Lavínia e me invade uma plenitude de seiva invernal", diz a Itzá narradora. "De maneira estranha, é minha criação. Ela não sou eu que voltou para a vida. Não a possuí como espíritos que assustavam os meus antepassados. Mas convivemos no sangue e a linguagem de minha história, que também é sua, começou a cantar em suas veias."
Da experiência coletiva para a pessoal. "A Mulher Habitada" é também um grande romance de amor, que aborda com lirismo, suspense e sensualidade o fundo político-revolucionário que o ambienta. É o retrato de uma época, visto pela ótica de duas mulheres apaixonadas, que questionam a separação entre guerra e amor, entre história e indivíduo.
"A quem importava a vida amorosa do Che (Guevara)?", pergunta-se Lavínia. "A história não se detinha nesses detalhes. Não se interessava pela vida íntima dos heróis. Era "coisa de mulher" se perguntar sempre pelo amor. Por que seria tão difícil para os homens reconhecer a necessidade, a importância histórica do amor?"


A Mulher Habitada
La Mujer Habitada
Ótimo
Autora: Gioconda Belli
Tradução: Enrique Boero Baby
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (400 págs.)


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