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CRÍTICA
Universo é absurdo e cômico, como a política brasileira
ESPECIAL PARA A FOLHA
Brasília é uma cidade inspiradora. Tudo nela parece ser
artificial, do lago ao Plano Piloto.
Muitas das pessoas de Brasília
não são, estão. Os políticos estão
políticos, os funcionários são trocados quando o poder muda de
mãos. Até as prostitutas parecem
estar na profissão, para tricotar
um pé-de-meia, enquanto o corpo sustenta o peso da labuta.
Poder, sexo, intrigas e traições
são elementos que mobilizam
Brasília e ativam a imaginação de
um escritor.
Pensando bem, todas as cidades
estão. Foram escolhidas quase
aleatoriamente, como entrepostos comerciais; quando o comércio cai, ou o garimpo se esvai, a cidade some.
Pensando melhor, todos os indivíduos estão. Eu estou jornalista, porque não poderia estar modelo de passarela ou banqueiro.
Esse estado provisório de ser está
simbolizado na curta vida de um
verme ou na vida artificial de um
político que passeia pelo poder.
Torero e Pimenta fizeram uma
sátira mais vertical do que uma
primeira leitura sugere. Um dos
vermes que cruza com o narrador
cita Guimarães e Gregório de Matos. Estão lá casos reais, personagens eleitos por brasileiros.
Torero e Pimenta criaram um
universo absurdo e cômico, inspirados no absurdo e cômico universo da política brasileira. Misturam os gêneros num só: por vezes,
o livro se torna teatro, poesia concreta, fábula. O mundo do verme
é ampliado. Descobre-se que "a
paixão não passa de um desequilíbrio hormonal".
O ânus vira "pórtico do fim do
mundo". Uma gripe vira uma batalha, que resulta no "santo pus".
Uma diarréia é descrita como
uma linda cascata fumegante.
Alguns vermes são da religião
(ou filosofia) "excrementismo",
que, como o existencialismo, retira todo o sabor da vida ao lembrar
que tudo vira comida no final.
Nas palavras do grupo político
que defende a privatização do serviço de esgoto, Privadas Privadas,
estão os sintomas da doença do
neoliberalismo que acama o país.
O resultado é um grande dilúvio,
em que a cidade é tomada pelo
próprio excremento.
A má notícia de "Os Vermes" é
que tudo parece piada, mas não é.
Está tudo lá, no Planalto Central,
regendo nossas vidas, escolhendo
os que sobreviverão, os que sofrerão e os que terão doutos, gelo no
uísque e sapatos importados. Curiosamente, todos terão um mesmo destino, o centro da mesa de
banquete de vermes.
Os Vermes
Bom
Autores: José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 21,90 (248 págs.)
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