São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2000

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CRÍTICA

Universo é absurdo e cômico, como a política brasileira

ESPECIAL PARA A FOLHA

Brasília é uma cidade inspiradora. Tudo nela parece ser artificial, do lago ao Plano Piloto. Muitas das pessoas de Brasília não são, estão. Os políticos estão políticos, os funcionários são trocados quando o poder muda de mãos. Até as prostitutas parecem estar na profissão, para tricotar um pé-de-meia, enquanto o corpo sustenta o peso da labuta.
Poder, sexo, intrigas e traições são elementos que mobilizam Brasília e ativam a imaginação de um escritor.
Pensando bem, todas as cidades estão. Foram escolhidas quase aleatoriamente, como entrepostos comerciais; quando o comércio cai, ou o garimpo se esvai, a cidade some.
Pensando melhor, todos os indivíduos estão. Eu estou jornalista, porque não poderia estar modelo de passarela ou banqueiro. Esse estado provisório de ser está simbolizado na curta vida de um verme ou na vida artificial de um político que passeia pelo poder.
Torero e Pimenta fizeram uma sátira mais vertical do que uma primeira leitura sugere. Um dos vermes que cruza com o narrador cita Guimarães e Gregório de Matos. Estão lá casos reais, personagens eleitos por brasileiros.
Torero e Pimenta criaram um universo absurdo e cômico, inspirados no absurdo e cômico universo da política brasileira. Misturam os gêneros num só: por vezes, o livro se torna teatro, poesia concreta, fábula. O mundo do verme é ampliado. Descobre-se que "a paixão não passa de um desequilíbrio hormonal".
O ânus vira "pórtico do fim do mundo". Uma gripe vira uma batalha, que resulta no "santo pus". Uma diarréia é descrita como uma linda cascata fumegante.
Alguns vermes são da religião (ou filosofia) "excrementismo", que, como o existencialismo, retira todo o sabor da vida ao lembrar que tudo vira comida no final.
Nas palavras do grupo político que defende a privatização do serviço de esgoto, Privadas Privadas, estão os sintomas da doença do neoliberalismo que acama o país. O resultado é um grande dilúvio, em que a cidade é tomada pelo próprio excremento.
A má notícia de "Os Vermes" é que tudo parece piada, mas não é. Está tudo lá, no Planalto Central, regendo nossas vidas, escolhendo os que sobreviverão, os que sofrerão e os que terão doutos, gelo no uísque e sapatos importados. Curiosamente, todos terão um mesmo destino, o centro da mesa de banquete de vermes.


Os Vermes
Bom
Autores: José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 21,90 (248 págs.)


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