São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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Recife recebe 24 telas de Eckhout e São Paulo, 206 obras de Rugendas; o conjunto é parte significativa do olhar estrangeiro sobre o continente americano

Quando o Novo Mundo era o Paraíso

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagens que ajudaram a construir a idéia de que o Novo Mundo representava o paraíso para o imaginário europeu chegam em duas mostras, na próxima quinta, ao Brasil.
No Recife, são apresentadas as 24 telas realizadas pelo holandês Albert Eckhout, a partir de sua estada na cidade, entre 1637 e 1644, período da ocupação holandesa em Pernambuco. Já São Paulo recebe 206 obras do alemão Johann Moritz Rugendas, a maioria sobre sua estada no México (leia texto abaixo).
As telas de Eckhout chegam após oito anos de negociação com o Museu Nacional de Copenhague, segundo o empresário Jens Olesen, que organiza a exposição.
No ano passado, as telas foram solicitadas pelo Guggenheim de Nova York para a mostra "Brazil, Body and Soul". Elas constam do catálogo da exposição e são citadas como obras fundamentais para a criação do imaginário sobre o país, mas acabaram não sendo emprestadas, por questões de segurança, motivadas pelo 11 de setembro.
Não foram só os norte-americanos que receberam a recusa: "por duas vezes, em 1896 e 1902, D. Pedro 2º tentou trazê-las para o Brasil, mas ele conseguiu apenas a permissão de realizar cópias, que atualmente pertencem ao acervo do Museu Nacional de História do Rio de Janeiro", afirma Olesen.
"A demora em organizar a mostra no Brasil ocorreu porque o museu dinamarquês fazia questão de que as obras fossem exibidas em seu local inspirador, a cidade de Recife, e só agora existe lá o Instituto Ricardo Brennand, com condições museológicas adequadas", diz o dinamarquês Olesen, que há cinquenta anos viu as obras pela primeira vez. "Fiquei muito impressionado com a imagem da índia canibal em uma das telas", afirma.
Após Recife, a mostra segue para Brasília e São Paulo (na Pinacoteca), reunindo as 24 telas, que representam toda a produção de pintura de Eckhout -duas telas, retratos do príncipe João Maurício de Nassau, foram perdidas após um incêndio no museu dinamarquês, em 1819.
"Nunca os povos americanos foram vistos e tratados com a dignidade conferida por essas pinturas", afirma Ana Maria de Moraes Belluzo no livro "O Brasil dos Viajantes", da mostra de mesmo nome, organizada no Masp no ano de 1994.
Eckhout foi encarregado por Nassau a retratar os tipos humanos do país e seus produtos típicos, como a mandioca, o coco e frutas. "Em meio ao caos que marcou o período da colonização, Eckhout adotou um modo de ver, interpretar e organizar a realidade do Novo Mundo que resultou num conhecimento inestimável da fauna, flora e dos tipos humanos brasileiros", afirma Elly de Vries, no catálogo da mostra.
As telas, de grandes dimensões -em média 2,67 m por 1,6 m-, apresentam quatro casais (um de negros, um de mestiços, e dois de índios, tapuias e tupinambás), dois servos, o embaixador do Congo, a dança dos tapuias e doze naturezas-mortas. Algumas delas já participaram de mostras em São Paulo, mas pela primeira vez o conjunto completo estará no Brasil.
A obra de Eckhout é cercada de dúvidas. "Não se sabe ao certo se as telas foram pintadas no Brasil, e há quem diga que foram feitas para um castelo no Recife, dadas as suas dimensões", afirma Olesen.
A mostra em Pernambuco é acompanhada de um simpósio, nos dias 13 e 14, com especialistas em Eckhout. "Será polêmico, pois há muitas interpretações divergentes", diz Olesen.
Entre os convidados, estão o curador holandês Martin Boeseman e a historiadora norte-americana Rebecca Parker Brienen.
Uma das questões que devem ser levantadas é a própria história de como as telas chegaram ao museu dinamarquês. Segundo a versão mais difundida, Nassau doou as 26 telas para seu primo Friederich 3º, rei da Dinamarca, em 1654, recebendo em troca o título da Ordem do Elefante Branco. "Há quem afirme que a doação ocorreu antes e nada teve com o título", afirma Olesen.
A exposição é realizada a um custo de R$ 7,8 milhões, o que representa mais da metade do custo total da 25ª Bienal de São Paulo. "Essa mostra é uma operação militar, o valor do seguro das telas é altíssimo, o transporte tem que ser realizado com três aviões de companhias diferentes; além do mais, em todos os locais por onde passar terá entrada gratuita, e esperamos mais de 1 milhão de visitantes", afirma o organizador.


RETRATOS DO NOVO MUNDO: O LEGADO DE ALBERT ECKHOUT. Mostra com 24 obras do artista holandês, pintadas no século 17. Onde: Instituto Ricardo Brennand (r. Engenho São João, s/nº, Recife, tel. 0/xx/81/3271-2255). Quando: abertura dia 12, às 19h (para convidados); até 24/11. Quanto: entrada franca. Patrocínio: ABN Amro Bank, McCann-Erickson Brasil e IRB.


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