São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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Ex-Miss Canadá, iraniana lança CD com viés politico

Nascida em Teerã, Nazanin radicou-se no Canadá, onde é comparada a Angelina Jolie pelo engajamento

Com 28 anos, a cantora integrou a Força Aérea, estudou relações internacionais e ciências políticas e criou uma ONG

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Canadá pode ter, qualquer dia desses, uma primeira-ministra linda, bem-humorada e inteligente. A cantora iraniana Nazanin Afshin-Jam, 28, não descarta a hipótese de se candidatar ao posto e já ensaia discursos em seu primeiro CD, "Someday", lançado há dois meses. Chamada de "a nova Angelina Jolie" na América do Norte, Nazanin compõe letras que falam da situação política mundial e tenta chamar a atenção para problemas sociais.
Foi assim que ela se tornou a queridinha do momento. Nazanin, porém, não é só uma mulher bonita e cheia de boas intenções. Cadete da Força Aérea Canadense, ela fez faculdades de relações internacionais e de ciências políticas, especializou-se em Paris e abriu uma ONG para ajudar crianças e jovens que vivem no corredor da morte iraniano, a "Stop Children Executions", que já conseguiu uma libertação.
Há quatro anos, tornou-se Miss Canadá e descobriu que, assim, chamava mais atenção para sua luta. Era o empurrãozinho que faltava para se lançar cantora, já que sempre gostou de música. Interessada em ritmos espanhóis e árabes, é fã de Shakira e Manu Chao.
Nesta entrevista à Folha, por e-mail, ela fala sobre seu primeiro trabalho fonográfico e conta a história da sua família, que precisou deixar o Irã quando tinha um ano e, no Canadá, a ensinou a falar persa.

 

FOLHA - Seu primeiro CD, "Someday", tem letras politizadas e até canção persa. Cantar é uma forma de fazer com que as pessoas pensem no que acontece hoje no mundo?
NAZANIN AFSHIN-JAM -
Tento usar a música como um veículo para promover mudanças e fazer justiça social, mas nem todas as músicas têm conteúdo político. Algumas são sobre o amor e até mesmo sobre Deus.

FOLHA - Por que você gravou uma música em persa?
NAZANIN -
Eu canto "Goleh Sang", que é uma música de amor tradicional persa. Quis incluir essa canção para homenagear a minha cultura.

FOLHA - "Someday", a música, fala sobre o momento em que o Irã foi submetido às leis islâmicas e sobre "encontrar um caminho" algum dia. Que caminho é esse?
NAZANIN -
Na música "Someday", eu tento dar esperança às pessoas que estão oprimidas pelo regime islâmico no Irã. Eu canto "nós encontraremos um caminho". O caminho, eu acho, será quando a comunidade internacional se unir e condenar as autoridades iranianas por violarem brutalmente os direitos humanos. Os iranianos querem liberdade, eles são reprimidos, presos, torturados e, muitas vezes, executados.

FOLHA - No clipe dessa música você aparece fazendo um discurso como se fosse chefe de Estado. Você pensa em seguir a carreira política?
NAZANIN -
Sou formada em ciências políticas e relações internacionais e considerava, na época da faculdade, seguir carreira na área diplomática ou em entidades de desenvolvimento social. Porém, percebi que as pessoas dão mais atenção ao que dizem estrelas do esporte e celebridades. Foi então que entrei nos concursos. Ganhei o Miss Canadá e fiquei em segundo lugar no Miss Mundo. Com isso, pude viajar e falar sobre os problemas sociais. Muitas pessoas começaram a escutar o que dizia. Um partido canadense sugeriu que eu concorresse às eleições. Não penso nisso agora, porque não quero desviar meu trabalho com luta por direitos humanos, mas não descarto essa possibilidade. Quem sabe não posso concorrer ao cargo de primeira-ministra?

FOLHA - Você criou a ONG "Stop Children Executions" para salvar menores do corredor da morte. No site da entidade, diz que há 75 deles aguardando a execução no Irã. O que essas crianças e jovens fizeram?
NAZANIN -
No Irã, eles consideram "transgressões" uma série de coisas que aqui, no Ocidente, não são. Por exemplo, há dois anos, dois adolescentes foram enforcados porque estavam engajados no movimento homossexual. Muitos dos menores que estão no corredor da morte são acusados de assassinatos, mas eles alegam autodefesa. Grande parte foi terrivelmente abusada sexualmente e matou seu agressor por não agüentar mais a situação. A ONG foi criada para informar as pessoas sobre esses menores. O Irã é o único país do mundo que oficialmente executa adolescentes. Estamos tentando pressionar as autoridades e circulamos um abaixo-assinado no site (www.stopchildexecutions.com) contra isso.

FOLHA - Você ajudou a salvar da morte Nazanin Mahabad Fatehi, 19, condenada no ano passado por matar seu estuprador. Isso seria possível se você não fosse conhecida?
NAZANIN -
Eu acredito no poder das pessoas e em como elas podem fazer a diferença. Você não precisa ser uma miss para ajudar os outros. Mas é claro que o título me ajudou a atrair a atenção para o assunto.

FOLHA - Seu pai foi torturado no Irã. O que ele fez?
NAZANIN -
Meu pai era gerente do hotel Sheraton no Irã e permitia que houvesse música e bebidas alcoólicas para os hóspedes quando isso foi proibido pelas leis islâmicas. Eles prenderam meu pai, o torturaram e queriam matá-lo. Milagrosamente, foi libertado, mas o horror daqueles dias ainda assombra nossa família. No dia em que foi solto, ele não podia andar. Quando melhorou um pouco, voou para a Espanha e fomos dois meses depois. Após um ano, nos mudamos para o Canadá, onde estamos até hoje.

FOLHA - Você já voltou ao Irã?
NAZANIN -
Não. É um sonho, mas acho que seria perigoso, por causa das minhas ações.

FOLHA - O que acha de ser chamada de "a nova Angelina Jolie"?
NAZANIN -
É uma honra. Eu respeito o fato de ela usar sua fama para atrair a atenção para assuntos que mostram atrocidades contra os direitos humanos. Porém, obtive minha licença para pilotar avião antes dela, quando tinha 16 anos... Por outro lado, ainda não encontrei um segundo Brad Pitt...


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