São Paulo, Sábado, 09 de Outubro de 1999
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EROTISMO

Mandarim publica textos do ensaísta mexicano sobre o autor de "Filosofia na Alcova"

Sade não era sádico, disse Octavio Paz

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

Sabe-se lá quem era maior: o Octavio Paz poeta ou o Octavio Paz ensaísta? Pouco importa. O que interessa dizer é que, mesmo quem não gosta de ler ensaios, se sentirá atraído pelas reflexões do autor mexicano, morto em abril do ano passado.
Seu "Labirinto da Solidão", de 1950, aqui publicado pela Paz e Terra -ainda disponível em algumas livrarias em sua terceira edição, de 84-, é uma preciosidade que, segundo muitos críticos, incluiu o México no mapa do pensamento ocidental.
Publicado pelo escritor quando vivia em Paris, revelando ao mundo aquele que ganharia em 90 o Nobel de Literatura, o "Labirinto" seduz o leitor desde a primeira linha, sobretudo quando se dedica a falar da morte, essa desconhecida, que para os mexicanos é motivo de festa.
Agora, sai no Brasil "Um Mais Além Erótico: Sade", reunião de três escritos de Paz sobre o marquês cuja ascensão póstuma se deve à sua descoberta pelo poeta Guillaume Apollinaire e pelos (hoje subvalorizados) surrealistas na década de 30, que fizeram dele, segundo o próprio mexicano, "um símbolo de rebeldia".
O primeiro texto é justamente um poema, "O Prisioneiro", escrito um ano depois de Octavio Paz descobrir Sade (em 46) e se impressionar com a repentina adoração do ex-maldito. "Tu, que estavas contra todos,/És agora um homem, um chefe, uma bandeira", diz o poema.
Mais tarde, em 60, no ensaio que dá nome ao livro, refletia sobre as diferenças entre erotismoe sexualidade. Segundo Paz, o primeiro é mais complexo. "A sexualidade é simples: o instinto põe em movimento o animal", enquanto "o erotismo é desejo sexual e alguma coisa mais".
No terceiro ensaio, o "definitivo", escrito em 86 -""Cárceres da Razão"-, voltava a mostrar sua surpresa com a aceitação do "teórico" do sadismo pela contemporaneidade. "A moda de Sade me deixa perplexo", escreveu, para admitir em seguida que isso era "um triunfo da inteligência sobre os preconceitos e os medos ancestrais."
O mais interessante do livro, porém, é observar a possibilidade de escrever sobre um escritor vulgarizado sem ser vulgar para isso. Octavio Paz não se diverte nem graceja sobre a figura do marquês ou suas engenhocas de dor/prazer que hoje fazem a alegria dos frequentadores de sex shops. Antes, como adverte o ensaísta no prólogo, tenta entendê-lo. É sério.
A melhor polêmica desses ensaios acontece com Jean Paulhan, autor do prólogo de "Justine ou As Desgraças da Virtude", uma das obras de Sade, que afirma ser o escritor um masoquista. Paz rejeita tal afirmação: "O prazer do sádico acabaria se percebesse que sua vítima também é seu cúmplice".
Vai além, ao dizer que o marquês tampouco era sádico. Embora tenha sido "um inimigo do amor, (...) para ele uma quimera nefasta", Sade "foi generoso até mesmo com seus inimigos e perseguidores".
Com 27 anos passados "em diferentes prisões e num hospício, manuscritos destruídos, livros apreendidos", Sade chega a ser comparado a santo Agostinho por Octavio Paz em sua "negação universal", com a diferença de que para um (o santo) o bem é o que importa, e para outro era o mal a única realidade existente. "O filósofo do sadismo", afirma Octavio Paz, "não foi aquele que vitima, mas uma vítima, o teórico da crueldade foi um homem bondoso".


Livro: Um Mais Além Erótico: Sade
Autor: Octavio Paz
Tradutor: Wladir Dupont
Editora: Mandarim
Quanto: R$ 15 (119 págs.)

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