São Paulo, Sábado, 09 de Outubro de 1999
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SHOW CRÍTICA

Burocrático, Djavan empilha seus hits no palco


FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local

Pense em algum sucesso de Djavan, qualquer um. Prefere aquele? Vá então ao Palace. Não sendo o seu gosto uma negação da estatística, você fatalmente o verá cantá-lo. O show do cantor e compositor que estreou anteontem em São Paulo é assim: sucessos empilhados, dispostos um sobre o outro em sequência burocrática.
Show que poderia muito bem se chamar "Djavan Greatest Hits". Não são, veja bem, apenas os "melhores momentos" de Djavan; são os "greatest hits", invenção de norte-americano, fórmula que designa a reunião didática das mais mais, executadas da forma mais convencional possível para... ora, para vender, claro.
Djavan curvou-se inteiramente ao clichê do pop star. Dificilmente se verá, entre os grandes nomes da MPB, espetáculo mais pornograficamente comercial do que esse neste ano de 99. Não lhe faltam apenas surpresa, ousadia, inquietação; faltam-lhe antes alma e sinceridade. Djavan toca o serviço -e sabe fazê-lo, para o que se propõe. Tornou-se um funcionário da sua música, está carimbando belas canções e uma trajetória em mais de um sentido notável com o selo da banalidade.
O show é, com pequenas variações, muito pequenas, o decalque do CD "Djavan ao Vivo", que a Sony acaba de pôr no mercado. Está tudo ali -"Samurai", "Oceano", "Açaí", "Serrado", "Eu Te Devoro" etc. etc. etc.
O disco foi gravado a pretexto dos 25 anos de carreira do cantor, há pouco mais de dois meses, no teatro João Caetano, no Rio, com ingressos a R$ 5, preço coerente com o projeto. Nada contra o popular nem contra o sucesso, mas quando a intenção do artista se confunde inteiramente com os propósitos da gravadora deve-se desconfiar dessa simbiose.
Djavan já fez diferença dentro da MPB. Dono de uma voz magnífica e com um suingue muito particular correndo nas veias, fundiu de maneira original o samba e o pop, fiel ao mesmo tempo às suas raízes nordestinas. Mistura rara que o levou a abrasileirar ritmos americanos e vice-versa, e da qual resultou tanto uma música negra renovada, livre de exotismos baratos, quanto uma reciclagem esteticamente avançada de baladas românticas. Não é pouco.
Mas é essa obra híbrida, inusual e importante que hoje aparece empacotada, resumida a uma fórmula de sucesso, refletindo uma carreira que parece encruada, vítima precoce de seu próprio êxito.
Djavan dá a impressão de que se compraz na condição de sex symbol. Que ele é um homem bonito se sabe, mas há certa impostura calculada na maneira como seduz a platéia. Afetado, atira primeiro ao chão o blazer preto, mais adiante a camisa branca, e termina o show com uma camiseta cinza cintilante de mangas cavadas. A mulherada, em peso na noite de estréia, tem acessos seguidos de histeria e uiva muito. É diferente, por exemplo, com Chico Buarque, diante de quem as mulheres tremem quietas por dentro e suspiram de encanto sentadas nas cadeiras. Parece mais humano.
A certa altura do show de Djavan, surge ao fundo do palco um painel com colagens, onde estão dispostas aleatoriamente as letras de seu nome e várias imagens, pinturas e fotos, que evocam o Brasil. Há uma bandeira nacional, uma parte da face do Cristo Redentor, quadros que lembram Tarsila do Amaral, outro que parece ser uma das bandeirinhas de Volpi e, meio escondida, uma obra de Helio Oiticica, onde se lê "seja marginal, seja herói" -piada involuntária, no caso. O efeito do conjunto é um ecletismo um tanto cafona, retrato de um Brasil estranho, arbitrário, sem rosto, sem época, feio, muito feio.
Não haveria comentário visual mais eficaz do que representa esse espetáculo. Um espetáculo no qual a platéia canta tudo e o tempo inteiro, no qual a catarse coletiva, planejada de antemão e induzida dessa forma, já não é mais catarse, é regressão -a massa ouvindo ecos estandardizados de si mesma. À frente, na boca do palco, estavam Adriane Galisteu, Netinho e Hortência. Não eram só pessoas, mas um retrato de época. Parece ter sido feito de encomenda para o Brasil que eles representam, esse show de hits de Djavan.


Avaliação:   

Show: Djavan ao Vivo
Quando: sex. e sáb., às 22h; dom., às 20h. Até 24/10
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel. 0/xx/11/5051-4900); de R$ 25 a R$ 60


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