|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SHOW CRÍTICA
Burocrático, Djavan empilha seus hits no palco
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
Pense em algum sucesso de Djavan, qualquer um. Prefere aquele?
Vá então ao Palace. Não sendo o
seu gosto uma negação da estatística, você fatalmente o verá cantá-lo. O show do cantor e compositor que estreou anteontem em
São Paulo é assim: sucessos empilhados, dispostos um sobre o outro em sequência burocrática.
Show que poderia muito bem se
chamar "Djavan Greatest Hits".
Não são, veja bem, apenas os
"melhores momentos" de Djavan; são os "greatest hits", invenção de norte-americano, fórmula
que designa a reunião didática
das mais mais, executadas da forma mais convencional possível
para... ora, para vender, claro.
Djavan curvou-se inteiramente
ao clichê do pop star. Dificilmente
se verá, entre os grandes nomes
da MPB, espetáculo mais pornograficamente comercial do que
esse neste ano de 99. Não lhe faltam apenas surpresa, ousadia, inquietação; faltam-lhe antes alma e
sinceridade. Djavan toca o serviço
-e sabe fazê-lo, para o que se
propõe. Tornou-se um funcionário da sua música, está carimbando belas canções e uma trajetória
em mais de um sentido notável
com o selo da banalidade.
O show é, com pequenas variações, muito pequenas, o decalque
do CD "Djavan ao Vivo", que a
Sony acaba de pôr no mercado.
Está tudo ali -"Samurai",
"Oceano", "Açaí", "Serrado", "Eu
Te Devoro" etc. etc. etc.
O disco foi gravado a pretexto
dos 25 anos de carreira do cantor,
há pouco mais de dois meses, no
teatro João Caetano, no Rio, com
ingressos a R$ 5, preço coerente
com o projeto. Nada contra o popular nem contra o sucesso, mas
quando a intenção do artista se
confunde inteiramente com os
propósitos da gravadora deve-se
desconfiar dessa simbiose.
Djavan já fez diferença dentro
da MPB. Dono de uma voz magnífica e com um suingue muito
particular correndo nas veias,
fundiu de maneira original o samba e o pop, fiel ao mesmo tempo
às suas raízes nordestinas. Mistura rara que o levou a abrasileirar
ritmos americanos e vice-versa, e
da qual resultou tanto uma música negra renovada, livre de exotismos baratos, quanto uma reciclagem esteticamente avançada de
baladas românticas. Não é pouco.
Mas é essa obra híbrida, inusual
e importante que hoje aparece
empacotada, resumida a uma fórmula de sucesso, refletindo uma
carreira que parece encruada, vítima precoce de seu próprio êxito.
Djavan dá a impressão de que se
compraz na condição de sex
symbol. Que ele é um homem bonito se sabe, mas há certa impostura calculada na maneira como
seduz a platéia. Afetado, atira primeiro ao chão o blazer preto,
mais adiante a camisa branca, e
termina o show com uma camiseta cinza cintilante de mangas cavadas. A mulherada, em peso na
noite de estréia, tem acessos seguidos de histeria e uiva muito. É
diferente, por exemplo, com Chico Buarque, diante de quem as
mulheres tremem quietas por
dentro e suspiram de encanto
sentadas nas cadeiras. Parece
mais humano.
A certa altura do show de Djavan, surge ao fundo do palco um
painel com colagens, onde estão
dispostas aleatoriamente as letras
de seu nome e várias imagens,
pinturas e fotos, que evocam o
Brasil. Há uma bandeira nacional,
uma parte da face do Cristo Redentor, quadros que lembram
Tarsila do Amaral, outro que parece ser uma das bandeirinhas de
Volpi e, meio escondida, uma
obra de Helio Oiticica, onde se lê
"seja marginal, seja herói" -piada involuntária, no caso. O efeito
do conjunto é um ecletismo um
tanto cafona, retrato de um Brasil
estranho, arbitrário, sem rosto,
sem época, feio, muito feio.
Não haveria comentário visual
mais eficaz do que representa esse
espetáculo. Um espetáculo no
qual a platéia canta tudo e o tempo inteiro, no qual a catarse coletiva, planejada de antemão e induzida dessa forma, já não é mais
catarse, é regressão -a massa ouvindo ecos estandardizados de si
mesma. À frente, na boca do palco, estavam Adriane Galisteu, Netinho e Hortência. Não eram só
pessoas, mas um retrato de época.
Parece ter sido feito de encomenda para o Brasil que eles representam, esse show de hits de Djavan.
Avaliação:
Show: Djavan ao Vivo
Quando: sex. e sáb., às 22h; dom., às
20h. Até 24/10
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel.
0/xx/11/5051-4900); de R$ 25 a R$ 60
Texto Anterior: Em Milão, Miu Miu brinca com caretice intencional Próximo Texto: Artes: Vallauri tem mostra pelos 50 anos em SP Índice
|