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CRÍTICA
Ivan Lessa escreve bem para burro e é bom que dói
especial para a Folha
Inacreditável. Um dos maiores
cronistas e pensadores brasileiros
não faz questão de publicar livros.
Prefere suas crônicas lidas e transmitidas via ondas curtas, pela
BBC, de Londres. E, mais curioso,
não tem idéia de quem as escuta.
Seu primeiro livro, "Garotos da
Fuzarca" (1986), existe graças ao
esforço do escritor Diogo Mainardi, que recolheu, compilou e editou contos perdidos em publicações extintas (tablóides e revistas). Seu segundo livro, "Ivan Vê o
Mundo", existe graças a Helena
Carone, que selecionou 42 crônicas escritas entre 1987 e 1999.
Mas é o próprio autor quem dá
a dica de seu desinteresse, em
uma de suas crônicas: "... nunca
descobri nada de muito importante num livro. Descobri muito
mais sentado no banco da praça
discutindo com a namorada do
que em "A Montanha Mágica" do
Thomas Mann." Ao final, decreta:
"Eu, como você e você e você, estava, estou, estamos vivos. Um romance é a coisa mais morta do
mundo." Tem toda a razão.
Não há escritores nas listas de
convidados vips às festas de São
Paulo. Há pagodeiros, envolvidos
em escândalos, esportistas e beldades despidas recentemente. Há
uma inversão dos valores culturais do país. O importante não
importa mais. Talvez seja reflexo
de uma democratização da exposição do pensamento. O pensamento de um povo sem cultura.
E como Lessa não está no foco
das atenções, a liberdade se materializa, a independência se manifesta, e nascem frases como
"quem não escreve por dinheiro
não é digno da profissão", ou "a
crônica é a nossa bustificação...".
Lessa revela delicadeza, quando
lembra que quartos de bebês têm
cheiro de canela, e um cinismo
que dói, ao reclamar que o brasileiro assobia demais. "Acho que a
humanidade não tem nada que
assobiar. Se quer tocar um instrumento, sai na rua com um trombone de vara. O assobio é uma deformação profissional."
Lessa faz muito mais que ver o
mundo. Debate o mundo, a literatura e reinventa a crônica. Descreve gestos invisíveis de personagens que passariam desapercebidos por um não-escritor. Escreve
bem para burro e é bom que dói.
Avaliação:
Livro: Ivan Vê o Mundo - Crônicas de
Londres
Autor: Ivan Lessa
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 17 (174 págs.)
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