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LITERATURA
"Zizinho é mais
importante que Euclides da Cunha"
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Tem alguém que
escreveu que Jairzinho deu um banho
de bola maior que o
último de Ronaldinho. Faz sentido?
"Heresia!", diriam os mais jovens.
O mesmo alguém também escreveu: "A única vantagem de ser
mais velho é poder mentir para os
mais jovens...mentir para deprimir os jovens".
Este alguém é o cronista (e jornalista?) Ivan Lessa, que publica
"Ivan Vê o Mundo, Crônicas de
Londres", uma seleção de 42 crônicas escritas para a rádio BBC, de
Londres, onde ele mora, selecionadas por Helena Carone.
E, pela conversa ao telefone, de
Londres, o escritor que há 21 anos
saiu do Brasil, depois de contribuir para quase todos os jornais e,
especialmente, para o "Pasquim"
e a revista "Senhor", manifesta intimidade com o esporte e declara
ser um botafoguense fanático capaz de proclamar: "Zizinho é
mais importante que Euclides da
Cunha".
Lessa, a "rainha Elizabeth da literatura brasileira", segundo prefácio do Casseta & Planeta, escreveu resenhas literárias para a revista "Veja" e, atualmente, apresenta o programa de rádio "Livros e Autores", e escreve três crônicas semanais para a BBC.
"Eu joguei futebol. Detesto futebol inglês. Assisto aos jogos do
campeonato italiano", conta Lessa, que nasceu em São Paulo, mas
cresceu no Rio de Janeiro.
"Em São Paulo, eu era palmeirense, por causa da cor da camisa
e de um ponta-direita chamado
Lula. Mas chute, mesmo, tinha o
Quarentinha", lembra.
Espera lá. Estou entrevistando o
autor de "Garotos da Fuzarca",
que está lançando um livro novo.
Devemos falar de literatura. Até
tentamos, como dois jornalistas
burocratas. Revelou que costuma
ler três livros ao mesmo tempo,
um deles é sempre em português,
geralmente é Machado de Assis.
"O número de vezes que você
pode reler Machado e descobrir
coisas novas é ilimitado", diz. Mas
e autores novos? "Leio. Acompanho até onde posso e sempre peço
para as editoras me mandarem".
Mas, nada de novo, no mercado
literário, o atrai? "Não é bem verdade. Mas é verdade", diz.
Então vamos falar de política.
Afinal, como fundador do "Pasquim", ele é da geração de jornalistas engajados em movimentos
contra o autoritarismo. "A política brasileira é detestável. Se tenho
saudades do Brasil, perco logo
quando me lembro da política.
Vou falar um lugar-comum. A situação é lamentável. Esse programa do Ratinho, por exemplo...".
Surpresa? Lessa vê TV brasileira
em Portugal, onde passa as férias.
Vê filmes brasileiros no Canal
Brasil. "São filmes muito ruins.
Qualquer filme que tenha um
cangaceiro é muito chato", diz.
Voltamos à entrevista. "O que o
levou a trocar o Rio informal por
uma Londres formalíssima?"
"O sossego. A informalidade do
brasileiro é um desaforo". Comentário: "Você fala, no livro,
que o inglês virou um novidadeiro". "O inglês não é mais aquele
tradicional de antes. Mudou a cor
dos telefones públicos. Na Inglaterra de agora, come-se muito
bem. Tem ótimos restaurantes. É
essa loucura das privatizações".
Mas que nada. O papo descambou para futebol. "Ronaldinho se
parece com o Vavá. Mas ele não
joga. Está lá, enganando o pessoal. Eu fiz uma profecia, em 1998,
e pode perguntar ao Diogo Mainardi (escritor e crítico), que o
Brasil ia perder a Copa por culpa
de Ronaldinho. Acertei", diz.
Você considera algum jogador
de hoje um craque? "Gosto muito
do Rivaldo. Ele joga um bolão.
Mas nada me emociona muito".
"Aqui, eles têm gravado o futebol de 1930, 1940, 1950. Não temos
imagens de Heleno de Freitas, Zizinho. Como podemos saber
quem somos sem essas imagens?", pergunta.
"Poucos escreveram sobre o futebol brasileiro. Alberto Helena,
João Saldanha, Nelson Rodrigues.
Mas o Nelson era cego. Não via
nada. Inventava. Futebol é como a
tradição oral. Pode-se mentir à
vontade. Isto está parecendo um
papo-de-bar. Como era a sua pergunta?". "Não perguntei nada".
"Sabe que eu torcia mais pelo
Botafogo do que pela seleção,
mesmo em Copa do Mundo? Eu
acompanhava os treinos, a contusão de um jogador, e chegava a
um domingo com um estado de
tensão absoluta. Zizinho é mais
importante que Euclides da Cunha. Pronto, você já tem um título
para a sua matéria", profetiza
mais uma vez. Acertou.
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