São Paulo, Sábado, 09 de Outubro de 1999
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LITERATURA

"Zizinho é mais importante que Euclides da Cunha"


MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Tem alguém que escreveu que Jairzinho deu um banho de bola maior que o último de Ronaldinho. Faz sentido? "Heresia!", diriam os mais jovens. O mesmo alguém também escreveu: "A única vantagem de ser mais velho é poder mentir para os mais jovens...mentir para deprimir os jovens".
Este alguém é o cronista (e jornalista?) Ivan Lessa, que publica "Ivan Vê o Mundo, Crônicas de Londres", uma seleção de 42 crônicas escritas para a rádio BBC, de Londres, onde ele mora, selecionadas por Helena Carone.
E, pela conversa ao telefone, de Londres, o escritor que há 21 anos saiu do Brasil, depois de contribuir para quase todos os jornais e, especialmente, para o "Pasquim" e a revista "Senhor", manifesta intimidade com o esporte e declara ser um botafoguense fanático capaz de proclamar: "Zizinho é mais importante que Euclides da Cunha".
Lessa, a "rainha Elizabeth da literatura brasileira", segundo prefácio do Casseta & Planeta, escreveu resenhas literárias para a revista "Veja" e, atualmente, apresenta o programa de rádio "Livros e Autores", e escreve três crônicas semanais para a BBC.
"Eu joguei futebol. Detesto futebol inglês. Assisto aos jogos do campeonato italiano", conta Lessa, que nasceu em São Paulo, mas cresceu no Rio de Janeiro.
"Em São Paulo, eu era palmeirense, por causa da cor da camisa e de um ponta-direita chamado Lula. Mas chute, mesmo, tinha o Quarentinha", lembra.
Espera lá. Estou entrevistando o autor de "Garotos da Fuzarca", que está lançando um livro novo. Devemos falar de literatura. Até tentamos, como dois jornalistas burocratas. Revelou que costuma ler três livros ao mesmo tempo, um deles é sempre em português, geralmente é Machado de Assis.
"O número de vezes que você pode reler Machado e descobrir coisas novas é ilimitado", diz. Mas e autores novos? "Leio. Acompanho até onde posso e sempre peço para as editoras me mandarem". Mas, nada de novo, no mercado literário, o atrai? "Não é bem verdade. Mas é verdade", diz.
Então vamos falar de política. Afinal, como fundador do "Pasquim", ele é da geração de jornalistas engajados em movimentos contra o autoritarismo. "A política brasileira é detestável. Se tenho saudades do Brasil, perco logo quando me lembro da política. Vou falar um lugar-comum. A situação é lamentável. Esse programa do Ratinho, por exemplo...".
Surpresa? Lessa vê TV brasileira em Portugal, onde passa as férias. Vê filmes brasileiros no Canal Brasil. "São filmes muito ruins. Qualquer filme que tenha um cangaceiro é muito chato", diz. Voltamos à entrevista. "O que o levou a trocar o Rio informal por uma Londres formalíssima?"
"O sossego. A informalidade do brasileiro é um desaforo". Comentário: "Você fala, no livro, que o inglês virou um novidadeiro". "O inglês não é mais aquele tradicional de antes. Mudou a cor dos telefones públicos. Na Inglaterra de agora, come-se muito bem. Tem ótimos restaurantes. É essa loucura das privatizações".
Mas que nada. O papo descambou para futebol. "Ronaldinho se parece com o Vavá. Mas ele não joga. Está lá, enganando o pessoal. Eu fiz uma profecia, em 1998, e pode perguntar ao Diogo Mainardi (escritor e crítico), que o Brasil ia perder a Copa por culpa de Ronaldinho. Acertei", diz.
Você considera algum jogador de hoje um craque? "Gosto muito do Rivaldo. Ele joga um bolão. Mas nada me emociona muito".
"Aqui, eles têm gravado o futebol de 1930, 1940, 1950. Não temos imagens de Heleno de Freitas, Zizinho. Como podemos saber quem somos sem essas imagens?", pergunta.
"Poucos escreveram sobre o futebol brasileiro. Alberto Helena, João Saldanha, Nelson Rodrigues. Mas o Nelson era cego. Não via nada. Inventava. Futebol é como a tradição oral. Pode-se mentir à vontade. Isto está parecendo um papo-de-bar. Como era a sua pergunta?". "Não perguntei nada".
"Sabe que eu torcia mais pelo Botafogo do que pela seleção, mesmo em Copa do Mundo? Eu acompanhava os treinos, a contusão de um jogador, e chegava a um domingo com um estado de tensão absoluta. Zizinho é mais importante que Euclides da Cunha. Pronto, você já tem um título para a sua matéria", profetiza mais uma vez. Acertou.


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