UOL


São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ator dirige duas peças, uma delas com o grupo Galpão, e reafirma o teatro como base de formação

AS EPOPÉIAS DE Paulo José

Bel Pedrosa/Folha Imagem
O ator Paulo José, que atualmente dirige duas peças, em sua casa, no bairro da Gávea, no Rio


VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Faz dez anos que o ator Paulo José, 66, tem mais consciência da finitude da vida. Ele é portador do mal de Parkinson -doença neurológica caracterizada por tremores rítmicos. José fala com naturalidade sobre a enfermidade que, de certa forma, obrigou-o a uma guinada para o mundo interior.
Trata-se de um processo de hipersensibilização, dada a limitação da espontaneidade nos movimentos do corpo.
"Meu trabalho todo é contra a inércia, a busca do contrapasso no movimento", afirma.
Daí a volta ao piano, "para soltar a mão direita", que aprendeu a tocar na infância. Também uma maior fruição na hora de escrever seus diários de ensaios, sem brigar com a forma da palavra.
Esse período é marcado ainda pela retomada do fazer teatral, sua principal razão artística de ser, como faz questão de lembrar.
A última atuação ocorreu em "A Controvérsia" (2000), de Jean-Claude Carrière, texto que também dirigiu.
Foi uma superação subir ao palco sete anos depois de diagnosticar a doença. "No cinema ou na TV, fico mais calmo, controlo a ansiedade. No teatro, não, é preciso entrar em cena a cada noite. Mas sentia-me bem em "A Controvérsia", seguro, como se não tivesse Parkinson. Havia um texto bem traçado, ensaiado. Poderia fazer de olhos fechados."
Os anos 2000 também o levaram, com mais afinco, a dirigir peças -o que não fazia desde 1980. Além de "A Controvérsia", encena agora "Na Solidão dos Campos de Algodão" (2001), do francês Bernard-Marie Koltès, que ganha temporada no Sesc Belenzinho, em São Paulo, a partir do próximo sábado; e "O Inspetor Geral", do russo Nicolai Gogol, a convite do grupo mineiro Galpão, que acaba de sair de cartaz no Rio de Janeiro, deve voltar para Belo Horizonte e tem previsão de chegada a São Paulo em abril de 2004.
O experiência com o Galpão lhe trouxe nostalgia do trabalho em grupo. Em Porto Alegre, o gaúcho de Lavras do Sul foi um dos fundadores do grupo Teatro de Equipe (1958-62), responsável por uma injeção cultural na cidade. Paulo José também fez parte do grupo Teatro de Arena (SP), para onde foi em 1961, e atuou em peças de Augusto Boal, Chico de Assis e Gianfrancesco Guarnieri.
Ele contextualiza o engajamento político do teatro à época, uma resposta ao iminente regime militar (1964-85). "Hoje, pode soar romântico, ingênuo, mas o Arena era libertário", afirma.
O mesmo homem que tem na ponta da língua a sentença de que "o ato institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, acabou com o teatro de grupo", tendência que volta nos anos 90, identifica que mudou a rota dos ventos. Diz ter clareza de que o teatro contemporâneo não precisa ser diretamente político em seu discurso.
"É uma redução de horizontes, impressão que também tenho, cada vez mais, em relação à política partidária", afirma.
Apesar dos dez meses de governo, José acha que é cedo para cobrar mudanças mais radicais da equipe de Lula. "Ainda é um momento delicado. O governo precisa de apoio."

Cinema e TV
Em quase 50 anos de palco, ele admite que não construiu uma marca de ator ou diretor de teatro. É o ator de cinema que lhe confere mais identidade em 31 filmes, dos clássicos do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, como "O Padre e a Moça" (1965) e "Macunaíma" (1969), ao "Benjamim" (2003) de Monique Gardenberg, ainda sem previsão de estréia em circuito.
A televisão, diz, foi uma opção que surgiu em 1969, no período de recuo da produção de teatro e de cinema. Assinou com a Globo em dezembro daquele ano e até hoje é vinculado à emissora.
Um dos momentos que destaca foi a participação no seriado infanto-juvenil "Shazan, Xerife & Cia." (1972-73), no qual fazia dobradinha com Flávio Migliaccio. "Ainda encontro motoristas de táxi que dizem: "O sr. foi a Xuxa da minha infância'", afirma José, que interpretava o Shazan.
A dupla cômica mambembava em uma "camicleta", o veículo que os transportava apitando e soltando fumaça. As gravações, sempre externas, aconteciam nos subúrbios do Rio.
"Era um programa divertido, épico até. Evidenciava uma ética da amizade, a vitória dos bons sentimentos, a crença no Brasil como cultura, como nação. Trazia uma imagem de identificação com o povo, mas não falsificada, edulcorada, fantasiosa. Era mais realista", descreve José.
O fundamento da sua lida com a arte da interpretação tem sua gênese lá no final dos anos 50, como se pode notar nas palavras firmes do então rapaz Paulo José Gomez de Souza a um jornal gaúcho, quando da criação do grupo Teatro de Equipe.
"Não somos diletantes. Estamos em teatro porque temos necessidade de nos expressarmos. Buscamos dar nossa contribuição ao homem através do teatro, não para distrai-lo, mas para humanizá-lo."
Mais de quatro décadas depois, conversando com a Folha em sua casa, no bairro carioca da Gávea, Paulo José ri com orgulho do que plantou. "As propostas do teatro de Equipe eram sérias. Quando leio hoje, fico assustado com aquilo", diz.

Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Desejo mobiliza e estanca na peça de Koltès
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.