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CINEMA/ESTREIAS
"Meus personagens não existiram"
Tarantino defende quebrar "o enredo da história" na nova produção "Bastardos Inglórios", que estreia hoje no Brasil
Filme esteve em competição na mais recente edição de Cannes; júri do festival premiou como melhor ator o austríaco Christoph Waltz
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
Quando decidiu escrever um
filme ambientado na Segunda
Guerra Mundial, o cineasta
norte-americano Quentin Tarantino estava disposto a "respeitar o enredo da história", segundo disse em entrevista à
Folha e a um grupo de jornalistas de outros países, no Festival
de Cannes, em maio passado.
Até que Tarantino pensou:
"Espera aí! Meus personagens
não sabem que eles são parte da
história. Para eles, o que está
acontecendo é imediato. É aqui
e agora. Portanto, eles podem
mudar a história".
Foi assim que "Bastardos Inglórios", que estreia hoje no
Brasil, deu a Hitler e à Segunda
Guerra um outro desfecho. "A
razão de a história ter sido como foi é que meus personagens
não existiram", diz Tarantino.
O ator austríaco Christoph
Waltz, que recebeu a Palma de
Ouro por sua interpretação do
carrasco nazista Hans Landa
no filme, diz que a abordagem
de Tarantino não significa "ser
irresponsável com a história ou
tentar corrigi-la. É uma narrativa alternativa, tão real quanto
o que sabemos sobre uma guerra que nenhum de nós viveu.
Afinal, o que sabemos dessa
guerra são as narrativas que ouvimos de alguém".
Embora tenha Brad Pitt no
papel de líder dos "bastardos",
é o personagem do astuto, irônico e poliglota Landa que brilha no longa. "Lendo o roteiro
de Quentin, não é preciso ter
experiência nem mesmo ser
muito inteligente para perceber que esse é o papel do século", afirma Waltz.
O coronel do Reich Landa
aparece logo no início de "Bastardos...", num extenso diálogo
com um civil francês que ele
suspeita de dar abrigo a judeus
em perigo, na França ocupada.
Com essa cena, Tarantino
avalia ter voltado ao topo da
forma como roteirista. "Havia
um limite abaixo do qual fiquei
até este filme, que era a cena
dos sicilianos em "Amor à Queima-Roupa" ("True Romance",
1993)", diz o diretor.
"Tenho muito orgulho dos
meus diálogos, mas aquilo era o
melhor que fiz, até a sequência
de abertura de "Bastardos Inglórios". Quando terminei de
escrevê-la, pensei: "Finalmente
eu me igualei à cena dos sicilianos [diálogo de mais de dez minutos entre os atores Christopher Walken e Dennis Hopper,
disponível no YouTube]. Levou
tempo, mas consegui"."
Ao contrário do que sugere
essa afirmação, Tarantino não
é um cineasta que se mede por
si mesmo. O padrão artístico do
diretor é o músico Bob Dylan.
Ele conta que, desde antes de
iniciar a carreira, "queria ser
mais do que um diretor cult" e
"adoraria ser para o cinema o
que Dylan é para a música".
Hoje, Tarantino se reconhece como um cineasta "famoso
entre cinéfilos". Modéstia? De
forma alguma. "Adoraria ter o
padrão de sucesso que Brian De
Palma teve nos anos 1970,
quando todo mundo nos Estados Unidos e no resto do mundo sabia quem era Brian De
Palma. Acho que posso atingir
isso e espero conseguir, mas,
sinceramente, eu quero mais."
Em sua primeira incursão no
gênero "filme de guerra", Tarantino, um mestre dos pastiches, disse que procurou manter o seu "toque pessoal", mas,
ao mesmo tempo, voltar-se "a
um tipo de cinema clássico".
Antes de filmar, o diretor
imaginou que "seria mais influenciado por filmes de guerra
dos anos 1960, com uma característica de ação, como "A Brigada do Mal" [de Andrew V.
McLaglen, 1968]". Mas descobriu-se "muito mais influenciado por filmes feitos nos anos
1940, durante a guerra".
Sobre a violência em "Bastardos...", Tarantino diz que seguiu seus demais filmes: "Não
tento fazer um filme violento
ou não. É simplesmente orgânico na história que os personagens façam o que fazem. Portanto, o nível de violência neste
filme é orgânico e apropriado".
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