São Paulo, sexta-feira, 09 de outubro de 2009

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Crítica/"Bastardos Inglórios"

Longa diverte e inscreve diretor entre os grandes

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Toda vez que Quentin Tarantino toma da câmera, o cinema se lembra de que é, também, uma festa. O espectador se dá conta disso antes de se completar o primeiro minuto de projeção de "Bastardos Inglórios". Sabemos que o filme vai nos falar de coisas da Segunda Guerra, mas que não terá muito a ver com a história dela.
Estamos na França ocupada pelos nazistas. Após uma brilhante introdução (um coronel busca uma família judia numa propriedade rural), nos vemos diante do grupo de soldados (todos judeus), que, tendo à frente um tenente da América profunda, tal como celebrizado pelo cinema de guerra, dispõe-se a exterminar o maior número possível de nazistas e aterrorizar o próprio Hitler.
"Bastardos..." não se impõe pela história que narra -sua "falsidade" salta aos olhos- mas pela capacidade de criar, a cada sequência, um cinema de segundo nível, sem permitir (pelo contrário) que o espectador perca, nem por um instante, o prazer de estar no cinema.
O que significa, no caso, a expressão "segundo nível"? É, antes de tudo, que o cineasta, ao contar sua história, não procura criar nem nos coloca diante de nenhum tipo de "ilusão". O fantástico tenente que Brad Pitt cria, por exemplo, não é um oficial saído do exército, mas de 1.001 filmes em que americanos intrépidos, puros, um tanto inocentes e grosseiros se lançam a suas missões.
Porque, se não presta nenhuma reverência à "verdade histórica", Tarantino mergulha com paixão na história do cinema, para nos lembrar que estamos diante de uma apaixonante fantasia, tão real quanto, digamos, os "faroestes spaghetti" que os italianos produziam algumas décadas atrás, em que não eram mais inspirados pela saga da conquista do Oeste mas pela própria saga do faroeste, pelos sonhos e mitos que o cinema soube criar.
Assim, em vez de tentar compor um Hitler "verossímil", "Bastardos..." busca, simplesmente, criar um Hitler cômico. Um atentado à história? Não, apenas a lembrança daquilo que Chaplin um dia descobriu e Ernst Lubitsch desenvolveu.
O diretor faz um cinema irrepreensivelmente moderno, que a cada sequência parece reavivar todas as reflexões que Godard ousou um dia fazer. Com "Bastardos...", Tarantino inscreve-se de vez entre os grandes cineastas da história.


BASTARDOS INGLÓRIOS

Direção: Quentin Tarantino
Com: Brad Pitt, Christoph Waltz
Produção: EUA/Alemanha, 2009
Onde: a partir de hoje no Bristol, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo




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