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Assistente revela criação de Kurosawa
Teruyo Nogami conta que diretor arremessou prato de mingau contra ela, durante as filmagens de "Dersu Uzala"
"Pensando naquilo [a agressão], percebo que Kurosawa estava à beira do abismo", afirma hoje a produtora, aos 83 anos
DA REPORTAGEM LOCAL
Em sua autobiografia, Akira Kurosawa fez um agradecimento a Teruyo Nogami no
prefácio. E também um mea-culpa. "Teruyo Nogami, meu
braço direito (...), por seu esforço, do começo ao fim, a
pessoa que faço sofrer."
Em "À Espera do Tempo",
Nogami relembra a fúria que
sentira quando, durante as
filmagens de "Dersu Uzala"
(1975), na Rússia, Kurosawa
arremessou um prato de mingau em sua direção.
Hoje, aos 83 anos, ela revê
a própria mágoa. "Pensando
naquilo, percebo que Kuroswa estava à beira do abismo,
cansado de tanta ansiedade e
solidão. Arrependo-me de
não ter me colocado em seu
lugar."
Nogami, que virá a São
Paulo para a abertura da exposição "Kurosawa - Criando
Imagens para Cinema" e para o lançamento do livro, deu
entrevista à Folha, com a
ajuda de um tradutor. Mandou as respostas escritas à
mão, em japonês.
"Não tenho tempo para
aprender a mexer com os
computadores", justifica ela.
"As facilidades que vemos
hoje eram inconcebíveis
anos atrás. As pessoas vão
mudar, e o cinema também."
Sempre alerta
Nagomi aproximou-se do
ofício trabalhando com Mansaku Itami (1900-1946). Conheceu Kurosawa em "Rashomon" (1951), trabalhando
como continuísta. Era responsável por evitar, por
exemplo, que um ator aparecesse com o cabelo penteado
de diferentes maneiras numa
mesma cena e por anotar começo e fim de cada tomada.
Em "Ikiru" (1952), e pelas
três décadas seguintes, tornou-se assistente de produção. A partir, de "Ran"
(1985), virou a principal produtora de Kurosawa.
Como escreve o crítico Donald Richie, no prefácio do livro, seu trabalho era, às vezes, invisível, "mas suas sugestões sempre estavam presentes incorporadas".
Richie diz que, "dentro e
fora do set, a única pessoa
que Kurosawa não criticou e
com quem nunca se encolerizou foi Nogami".
Olhar discreto
Nogami, provavelmente,
sempre agiu com a mesma
discrição e cuidado que utiliza para escrever. Mais do que
ninguém, ela parecia compreender o diretor.
A autora conta, por exemplo, que antes do início das
filmagens de "Rashomon",
três assistentes, confusos
diante do roteiro, procuraram o diretor em busca de explicações. Kurosawa limitou-se a dizer quer "o roteiro era
ininteligível porque tratava
do espírito ininteligível do
ser humano".
Nagomi descreve, por
exemplo, detalhes dos espelhos utilizados para iluminar
as árvores da floresta de
"Rashomon". Ela recorda
também o vento que soprou
na hora certa ou o sol que o
diretor estava sempre a buscar, na posição ideal.
O cinema que Nogami viveu não tinha a tecnologia
como muleta. Naqueles tempos, um erro na gravação da
trilha sonora significa recomeçar o trabalho do zero.
Para Kurosawa, nada disso importava. "Ele consultava os câmeras, espiava pelo
visor em todas as cenas, decidia a composição. Até a escolha das lentes ficava por sua
conta", revela a auxiliar.
Kurosawa memorizava tudo que filmava. Nesse sentido, não precisava de continuísta. Por outro lado, tinha
também a mania de filmar a
mesma cena em lugares diferentes. E aí a chance de haver
falhas de figurino e posição
de câmera eram imensas.
Durante muitos anos, Nogami evitou erros. Hoje, evita
que a memória do cinema
perca. "Sou uma das testemunhas sobreviventes", diz.
(ANA PAULA SOUSA)
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