São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998

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SARAMAGO
Escritor já havia comparado o Nobel com bingo

RUI NOGUEIRA
da Sucursal de Brasília

Para "pôr a claro o assunto", Saramago anotou em 14 de outubro de 95, no seu diário: "Em primeiro lugar, o dinheiro é dos suecos e eles dão-no a quem entendem; em segundo lugar, há que acabar com esta história de andar como de mão estendida a implorar a esmolinha de um Nobel; em terceiro lugar, é absurdo fazer depender o prestígio da literatura portuguesa de se ter ou não se ter um Nobel; em quarto lugar, se o cheque fosse, por exemplo, de US$ 10 mil, o planeta de escritores pouco se importaria com ele; em quinto lugar, e concluindo, deixemo-nos de hipocrisias e tenhamos a franqueza de reconhecer que, nessa comédia, o que conta é o dinheiro".
A comédia da vida regida pelo dinheiro e que, todo outubro, como dizia o próprio Saramago, promovia uma "espécie de bingo" em torno de quem seria o Nobel de Literatura, livrou o escritor da obrigação de ter de explicar o destino de sua eterna candidatura ao prêmio.
Em "Cadernos de Lanzarote", o tema Nobel é recorrente. Um dos momentos mais significativos foi registrado em abril de 93 e envolve uma entrevista do escritor à Folha.
O escritor Antônio Houaiss apostava no poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto e em Saramago para vencer o Nobel. Solicitado a comentar, ele tomou emprestada uma declaração do inglês Graham Greene e anotou no diário:
"Esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia e para não aparecer aos olhos dos leitores da Folha como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: "Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel para a língua portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para 900 anos que estamos à espera dele, enquanto vocês (brasileiros) nem sequer dois séculos de esperanças frustadas levam...'."
A esperança tinha fundamento, tamanha a popularidade do escritor e seus prêmios. Pelo menos um brasileiro pressentiu que ele estava a caminho. Em 93, Jorge Amado ligou para Saramago parabenizando-o por ter ganho um prêmio no Reino Unido. E avisou que "um destes dias chega aí um telefonema de Estocolmo". Chegou o cheque, é de cerca de US$ 1 milhão.
Para o próximo cheque, dois candidatos: João Cabral e o português Lobo Antunes. A esperança não mata.



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