São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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Crítica/DVD

"Vá e Veja" leva poesia a cenário de guerra

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

As únicas imagens documentais de "Vá e Veja" (1985) só aparecem em seus minutos finais. Embora o efeito seja notável, esse clássico do filme de guerra não precisaria recorrer a isso para aumentar a catarse anti-nazista que o orienta quase desde o início.
Quase, porque a primeira meia hora do filme trata a Segunda Guerra Mundial de longe, como o evento que leva crianças e adolescentes a procurar armas e outros objetos de uso militar escondidos nas areias brancas de uma aldeia na Bielo-Rússia (ou Belarus), república soviética invadida pelos alemães, em 1943.
Um deles, Fliora (Aleksei Kravchenko), encontra um rifle e resolve abandonar a mãe e as irmãs pequenas para se juntar a guerrilheiros. Inexperiente, não será aceito pelo comandante da milícia, mas experimentará, primeiro acompanhado por uma jovem (Olga Mironova) e depois sozinho, as agruras do conflito.
Sua jornada não é propriamente a de um herói, como um filme hollywoodiano tenderia a caracterizá-la. Fliora carrega a dor profunda e a indignação de ser um sobrevivente em cenário de apocalipse: 628 aldeias bielo-russas foram queimadas com seus habitantes pelos nazistas, informa o próprio "Vá e Veja" (ou "venha e veja", no título em inglês). Último dos cinco longas dirigidos pelo russo Elem Klimov (1933-2003), que teve atuação política expressiva (sobretudo como secretário da associação de cineastas do país) nos tempos de URSS, ele se inspira parcialmente em episódios de guerra vividos por ele e sua família em Volgogrado (na época, Stalingrado).
A forte estrutura estatal do cinema soviético, que reunia 39 estúdios espalhados pelas repúblicas, possibilitou que Klimov trabalhasse aqui em escala de superprodução, sob o guarda-chuva do Mosfilm, em Moscou, e do Belarusfilm, em Minsk. Não causa surpresa, portanto, que tenha obtido o prêmio de melhor filme no Festival de Moscou.
A denúncia de atrocidades cometidas contra bielo-russos e a abordagem épica transformaram também "Vá e Veja" em um grande sucesso de bilheteria na URSS, com cerca de 29 milhões de espectadores ("Titanic", o recordista do mercado brasileiro em toda a história, teve 16,3 milhões).
"Estes são tempos difíceis", diz um personagem. Klimov não procura maquiá-los, mas combina poesia ao realismo para acompanhar o efeito da guerra sobre os sentidos de Fliora (com destaque para a audição) e seu processo traumático de amadurecimento.

VÁ E VEJA
Direção: Elem Klimov
Distribuidora: Lume Quanto: R$ 37, em média
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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