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MÚSICA
Compositor comenta, a pedido da Folha, a canção "Tropicalia', do artista americano que diz ser fã de sua obra
Para Ben Jor, Beck tem algo de brasileiro
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio
Desde 1996, o popstar americano
Beck declara-se fã de Jorge Ben Jor.
Em seu novo disco, "Mutations",
que tem lançamento nacional nesta semana, consumou suas declarações de amor a Ben Jor e à música brasileira na canção "Tropicalia", que, apesar do nome, evoca o
Ben Jor (então era só Ben) de mais
ou menos 1963, relido pela ótica
americanizada de Sergio Mendes.
Mas o que Ben Jor pensa disso?
Para falar de Beck e dele próprio,
o autor de "Fio Maravilha" atendeu a Folha na semana passada, no
aristocrático clube do condomínio
fechado em que mora na Barra, no
Rio de Janeiro.
Ouvindo "Tropicalia", marcou o
"dois por quatro" com a mão na
mesa de vidro da varanda do clube,
fez que sim com a cabeça e sorriu.
"É um samba mesmo, não tem
batida de bossa nova. Se colocar
ganzá e bumbo, é samba total. Tem
até trombone de gafieira", disse.
Lembra ou não lembra "Mas Que
Nada" (o primeiro sucesso de Ben,
gravado em 63), ainda que na versão "easy listening" de Sergio
Mendes, lançada nos Estados Unidos em 66? "É, acho que lembra
um pouquinho minha música.
Tem a harmonia dela."
Tenta justificar por que a canção
de Beck ganhou o nome de "Tropicalia", movimento do qual Ben
(Jor) foi precursor (ao lançar "O
Bidu", em 67) e ao qual se filiou,
ainda que informalmente, ao lançar "Jorge Ben" (com "País Tropical" e "Charles Anjo 45"), em 69:
"Lá fora eles têm mais identidade
com a bossa nova, a fusão do samba com o jazz. Não têm afinidade
com o nosso ritmo, com o samba
autêntico. A fusão para eles é mais
fácil, fica parecendo samba".
Calado quanto aos elogios enviados por Beck, Ben Jor não hesita
em dar o troco. "Estou de olho nele
faz tempo. Ele tem um trabalho
bem brasileiro. Tem a raiz dele,
mas faz uma mistura legal, americana com coisas tropicais." Mais,
enquanto vai ouvindo "Mutations": "Ele vai fazer escola com esse estilo de cantar. Não é um vozeirão, não tem uma super-afinação,
mas a voz é limpa, coloquial".
Ben Jor conta como travou contato com o pop californiano de
Beck: "Estava num shopping em
Minneapolis, comecei a ouvir um
som folk que tinha alguma coisa de
brasileiro. Perguntei o que era, o
cara disse Beck, "Odelay'".
O artista conta que não vem só de
Beck o interesse gringo em sua figura. "Fiz um show no Hollywood
Bowl, a platéia era quase só de
americanos. No final, vieram falar
comigo jornalistas de lá, brasilianistas, adolescentes. Eles gostam
de "Dez Anos Depois' (73), "A Tábua de Esmeralda' (74), "Gil e Jorge' (75), "África Brasil' (76).
Acham cult. "Eu Vou Torcer' (74) é
hit na França. Lá esses discos estão
nas lojas, aqui não. Comprei "Ao
Vivo no Rio' (91) em Miami."
Cult ou não, Ben Jor está sem
gravadora. Saiu da Sony, com a
qual tinha contrato para três discos, após o segundo. Não quer falar sobre o assunto, mas dá sinais
de que a saída não foi amistosa.
"Você tem que parar um pouquinho, dar um descanso, cuidar dos
filhos. As gravadoras sempre impõem algumas coisas", contorna.
É diplomático quanto aos objetos de culto da hora pelas grandes
gravadoras (pagode, axé, sertanejo). "Todo movimento eu acho legal. No final de tudo vai sobrar
uma qualidade. Mas hoje as gravadoras só querem isso, uma grande
cantora me falou que saiu da gravadora porque queriam que ela
gravasse axé music."
Ele vai se soltando: "Já que não
posso gravar aqui o que quero,
posso ir ao estrangeiro. Lá eles
gostam da gente. São fases. Hoje
há músicas meteóricas, mas nós
estamos sempre aí", diz, evocando, talvez, sua volta "meteórica"
em 91, com "W/Brasil".
E por que anda tão difícil a relação do artista com a indústria, se é
como Ben Jor diz? "É chato fazer
para vender. Os caras prometem o
mundo, aí de repente mudam de
uma tal maneira...", diz, sem especificar se as mudanças de humor
têm a ver com cifras monetárias.
"Hoje falta um diretor de sensibilidade. Diretores deviam ser
grandes músicos e poetas, antes
era assim. O jeito é eu fazer a minha, ver os que pensam como eu.
Meu amigo Tim Maia fez isso, mas
foi muito boicotado. Tenho planos, mas não pensei seriamente."
Ele compara: "Não somos como
os americanos, que quando querem fazem tudo sozinhos, entregam pronto à gravadora. Aqui há
preguiça, acho que o artista brasileiro está preguiçoso. A gente precisava se reunir mais, discutir."
²
Disco: Mutations
Artista: Beck
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média
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