São Paulo, segunda, 9 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA
Compositor comenta, a pedido da Folha, a canção "Tropicalia', do artista americano que diz ser fã de sua obra
Para Ben Jor, Beck tem algo de brasileiro

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

Desde 1996, o popstar americano Beck declara-se fã de Jorge Ben Jor. Em seu novo disco, "Mutations", que tem lançamento nacional nesta semana, consumou suas declarações de amor a Ben Jor e à música brasileira na canção "Tropicalia", que, apesar do nome, evoca o Ben Jor (então era só Ben) de mais ou menos 1963, relido pela ótica americanizada de Sergio Mendes. Mas o que Ben Jor pensa disso?
Para falar de Beck e dele próprio, o autor de "Fio Maravilha" atendeu a Folha na semana passada, no aristocrático clube do condomínio fechado em que mora na Barra, no Rio de Janeiro.
Ouvindo "Tropicalia", marcou o "dois por quatro" com a mão na mesa de vidro da varanda do clube, fez que sim com a cabeça e sorriu.
"É um samba mesmo, não tem batida de bossa nova. Se colocar ganzá e bumbo, é samba total. Tem até trombone de gafieira", disse.
Lembra ou não lembra "Mas Que Nada" (o primeiro sucesso de Ben, gravado em 63), ainda que na versão "easy listening" de Sergio Mendes, lançada nos Estados Unidos em 66? "É, acho que lembra um pouquinho minha música. Tem a harmonia dela."
Tenta justificar por que a canção de Beck ganhou o nome de "Tropicalia", movimento do qual Ben (Jor) foi precursor (ao lançar "O Bidu", em 67) e ao qual se filiou, ainda que informalmente, ao lançar "Jorge Ben" (com "País Tropical" e "Charles Anjo 45"), em 69:
"Lá fora eles têm mais identidade com a bossa nova, a fusão do samba com o jazz. Não têm afinidade com o nosso ritmo, com o samba autêntico. A fusão para eles é mais fácil, fica parecendo samba".
Calado quanto aos elogios enviados por Beck, Ben Jor não hesita em dar o troco. "Estou de olho nele faz tempo. Ele tem um trabalho bem brasileiro. Tem a raiz dele, mas faz uma mistura legal, americana com coisas tropicais." Mais, enquanto vai ouvindo "Mutations": "Ele vai fazer escola com esse estilo de cantar. Não é um vozeirão, não tem uma super-afinação, mas a voz é limpa, coloquial".
Ben Jor conta como travou contato com o pop californiano de Beck: "Estava num shopping em Minneapolis, comecei a ouvir um som folk que tinha alguma coisa de brasileiro. Perguntei o que era, o cara disse Beck, "Odelay'".
O artista conta que não vem só de Beck o interesse gringo em sua figura. "Fiz um show no Hollywood Bowl, a platéia era quase só de americanos. No final, vieram falar comigo jornalistas de lá, brasilianistas, adolescentes. Eles gostam de "Dez Anos Depois' (73), "A Tábua de Esmeralda' (74), "Gil e Jorge' (75), "África Brasil' (76). Acham cult. "Eu Vou Torcer' (74) é hit na França. Lá esses discos estão nas lojas, aqui não. Comprei "Ao Vivo no Rio' (91) em Miami."
Cult ou não, Ben Jor está sem gravadora. Saiu da Sony, com a qual tinha contrato para três discos, após o segundo. Não quer falar sobre o assunto, mas dá sinais de que a saída não foi amistosa.
"Você tem que parar um pouquinho, dar um descanso, cuidar dos filhos. As gravadoras sempre impõem algumas coisas", contorna.
É diplomático quanto aos objetos de culto da hora pelas grandes gravadoras (pagode, axé, sertanejo). "Todo movimento eu acho legal. No final de tudo vai sobrar uma qualidade. Mas hoje as gravadoras só querem isso, uma grande cantora me falou que saiu da gravadora porque queriam que ela gravasse axé music."
Ele vai se soltando: "Já que não posso gravar aqui o que quero, posso ir ao estrangeiro. Lá eles gostam da gente. São fases. Hoje há músicas meteóricas, mas nós estamos sempre aí", diz, evocando, talvez, sua volta "meteórica" em 91, com "W/Brasil".
E por que anda tão difícil a relação do artista com a indústria, se é como Ben Jor diz? "É chato fazer para vender. Os caras prometem o mundo, aí de repente mudam de uma tal maneira...", diz, sem especificar se as mudanças de humor têm a ver com cifras monetárias.
"Hoje falta um diretor de sensibilidade. Diretores deviam ser grandes músicos e poetas, antes era assim. O jeito é eu fazer a minha, ver os que pensam como eu. Meu amigo Tim Maia fez isso, mas foi muito boicotado. Tenho planos, mas não pensei seriamente."
Ele compara: "Não somos como os americanos, que quando querem fazem tudo sozinhos, entregam pronto à gravadora. Aqui há preguiça, acho que o artista brasileiro está preguiçoso. A gente precisava se reunir mais, discutir."
²

Disco: Mutations
Artista: Beck
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.