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CRÍTICA
Cineasta faz cinema aberto à pulsão da vida
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Frustração é um sentimento recorrente quando
se fala em cinema francês hoje.
O que chega ao circuito brasileiro, com poucas exceções, ou
são filmes-tese pretensiosos e
ocos ou aqueles tipo exportação, com belas paisagens, bela
fotografia, belo elenco e nada
mais. Diante da situação, quando sobem os créditos finais de
"Reis e Rainha", o espectador
não se levanta imediatamente,
fica ali, estarrecido.
Pois Desplechin retoma, com
sutileza e maestria, uma forma
de fazer cinema que seus antepassados da nouvelle vague um
dia inventaram. Trata-se de um
cinema não apenas apaixonado por ele mesmo e por outras
artes, mas de um cinema aberto à própria vida. Em vez de alcançá-la por meio de uma ficção tortuosa ou de indagações
intelectuais, Desplechin preferiu escutá-la, deixou que ela falasse num turbilhão de vozes e
de sentidos, de significados claros e de muitos mistérios.
E não fez isso retomando
procedimentos conhecidos. A
modernidade experimentada
pelos personagens da nouvelle
vague hoje persiste apenas como mito cinematográfico. É de
outra que se trata agora. E nesta, sabemos, impera, além da
desconexão e da descontinuidade, um amor não mais que
tênue pelas coisas e pelos outros. Ou seja, um novo conteúdo exige uma nova forma.
Para expressar essa complexidade, alguns cineastas já nos
fizeram acostumar com a forma de filme-coral, testado aqui
e ali com certa eficácia pelos
norte-americanos. Pois Desplechin se arrisca numa ousadia maior. Encena com os atores muitas vezes no limite do
"overacting" e depois monta a
cena como uma miríade de
pontos de vista e de camadas
sobrepostas de temporalidade.
Assim, não só preserva uma
intensidade justa da emoção
como leva o espectador a experimentar a sensação de descontinuidade infinita, de pura fragmentação que se vive hoje.
Sua direção de atores remete
a Cassavetes, outro mestre em
captar "verdades" por meio do
método de convencer os atores
a abandonar a representação
de um texto prévio e assumirem a tarefa de criá-lo em conjunto. Nesse sentido, "Reis e
Rainha" ombreia o genial "Love Streams", de Cassavetes.
Mesmo sujeito a comparações, Desplechin faz um cinema que dispensa referências cinéfilas para ser admirado. Não
se contenta só em entreter, arranca o espectador da letargia
do lazer. Mas para isso não intelectualiza em excesso nem dificulta a expressão com charadas -há muitas no filme, mas
não entendê-las não faz diferença. E o que alcança é praticamente um milagre.
(CSC)
Reis e Rainha
Rois et Reine
Direção: Arnaud Desplechin
Produção: França, 2004
Com: Mathieu Amalric, Emmanuelle
Devos e Catherine Deneuve
Quando: a partir de hoje nos cines
HSBC Belas Artes e Reserva Cultural
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