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Stupakoff ganha livro-retrospectiva
Pioneiro da fotografia de moda no Brasil fala à Folha sobre a carreira, que é tema de obra a ser lançada terça, no Rio
Paulista foi contratado pela "Harper's Bazaar" nos anos 60 e ficou famoso por imagens de Jack Nicholson e Sophia Loren, entre outros
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O fotógrafo Otto Stupakoff,
71, distribui abraços e beijos
nos corredores da editora Cosacnaify, em São Paulo, onde
foi ver pela primeira vez seu livro-retrospectiva. A obra será
lançada no Rio na próxima terça, acompanhada de mostra na
Pequena Galeria 18.
Efusivo, encontra por acaso a
fotógrafa Claudia Andujar, que
não via desde os anos 60. Ambos festejam o reencontro.
Stupakoff voltou ao Brasil em
definitivo no ano passado e,
com isso, sua produção começa
a ser novamente valorizada no
país. Em geral ligado ao lado
mais glamouroso da fotografia,
retratando mulheres como Sophia Loren, Sharon Tate, Marisa Berenson e Jennifer Connelly, atores como Jack Nicholson e Paul Newman, entre outras figuras famosas, Stupakoff
foi destacado profissional de
moda em anos de ouro da "Harper's Bazaar", sendo contratado em 1965 pela revista americana. Em São Paulo, sete anos
antes, marca época por iniciar o
trabalho profissional da fotografia de moda. Ele possui mais
de 40 fotos no acervo permanente do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York).
Mas Stupakoff tem produção
menos conhecida, como a de
retratos, de instantâneos de rua
e de viagens que fez, como para
o Camboja, em 1994, onde percebe a extensão do conflito no
qual o país ficou imerso. Parte
dessa produção deve ser publicada pela Cosacnaify no ano
que vem, além de um livro de
crônicas. "É sobre o meu encontro com o feminino", diz
ele, que conversou com a Folha
no escritório da editora.
O INÍCIO
É engraçada essa coisa de eu
ter me influenciado pelos álbuns de família. Você procura
um caminho individual, pessoal, e acaba descobrindo que
sempre tinha o que estava procurando. Morei no Tatuapé,
vim da Maternidade São Paulo,
onde eu nasci, para lá. Era uma
casinha pequena, em rua não
muito longa, calçada de terra
batida, guias cortadas a enxada.
Mas passei toda minha infância no Jardim Europa, onde tive acesso a todos esses álbuns.
A VONTADE DE FAZER CINEMA
Cinema era realmente a minha paixão, o que mais queria
fazer. Comecei a fazer aos 12, 13
anos. Tinha uma câmera de 8
mm, constantemente fazia filmes. Aos 14 anos, fiz um curta
que se chamava "Missão", infantil como eu era, mas que já
demonstrava a necessidade de
me expressar.
Escrevi uma vez uma carta ao
diretor Frank Capra [diretor
americano, de "Do Mundo Nada se Leva"], falando que queria
fazer cinema e, onde vivia, não
tinha escolas.
Recebi num papel timbrado
dele, uma carta pessoal, falando
"Caro Otto, se o desejo que você
tem de fazer cinema é tão grande e a única coisa que tem é
uma câmera de 8 mm, a única
coisa da qual você necessita é
um pouco de sorte, e eu estou
aqui te desejando é um barril
cheio dela, assinado Frank Capra". A carta depois se perdeu.
Depois, encontrei o Alberto
Cavalcanti [diretor brasileiro,
de "Na Solidão da Noite"], em
1951, e ele me disse que era totalmente impossível fazer cinema no Brasil, devido à maneira
com a qual o brasileiro encarava o trabalho de equipe. Ele me
disse que, muitas vezes, dirigindo um filme, ele escutava lá em
cima da escada o encarregado
de iluminação reposicionando
um holofote e dando instruções
à atriz principal sobre o que ela
teria de fazer.
A FOTOGRAFIA DE MODA
Hoje, as revistas de moda estão decididas a contentar o
cliente. Até os anos 70 e pouco,
as revistas se lixavam para os
clientes porque consideravam
um privilégio para um cliente
fulano de tal aparecer em revistas de moda. A revista era uma
vitrine, havia fotógrafos de
grande talento.
OS GRANDES NOMES
Tinha muitos... Irving Penn,
Art Kane [1925-1995], o próprio Richard Avedon [1923-2004], o Bobby Richardson era
de uma sensibilidade extrema.
O trabalho que ele fez era de
uma emoção tremenda, como
também era o trabalho do Saul
Leiter. O Saul Leiter tinha uma
maneira bem particular, o estilo dele é um pouco voyeur, ele
se escondia um pouco atrás de
alguma coisa, não se confrontava com as modelos.
Eu era totalmente oposto. O
meu interesse não era pelo traje, e sim pela mulher como ser
humano, mais do que a representação da modelo feita por
uma modelo.
ESTILO
Buscava uma naturalidade
rebuscada com muito afinco,
muito empenho, muita conversa. Queria conhecer a modelo o
máximo que me era permitido.
Gostava de modelos que eram
um pouco atrizes, como a Jennifer Connelly, que tinha um "a
mais". A minha formação não é
estilizada, como por exemplo a
formação de um Albert Watson, como o estilo de um Herb
Ritts. Neles, havia um empenho maior na representação
gráfica que no ser humano. Isso
não condizia com a minha maneira de ver a mulher. E talvez a
minha natureza brasileira, a
mulher era muito mais importante que a roupa que ela trajava. Outros fotógrafos não, a
transformavam num cabide,
com fantásticos efeitos de iluminação, de composição, de
técnica. O Alberto Rizzo recortava a foto das modelos, escurecia-as tanto que elas viravam silhuetas. Quem tinha apreço pela mulher como ser humano
era o Richard Avedon. Mas por
isso o Avedon trabalhava com
as mesmas modelos.
PRODUÇÃO MENOS CONHECIDA
Esse lado social já está presente em todo o meu trabalho.
Aprendi em 71 anos de vida o
valor da integridade, seja ao fazer uma natureza-morta, uma
foto de moda ou uma imagem
de pedinte na rua. Em Salvador,
o que fiz foi a observação de um
momento em que um homem
trajado de branco à imagem de
um anjo, em toda sua hipocrisia, com as mãos em estado de
prece, se nega a ajudar uma
mulher pobre, uma pedinte.
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