São Paulo, sábado, 09 de dezembro de 2006

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Stupakoff ganha livro-retrospectiva

Pioneiro da fotografia de moda no Brasil fala à Folha sobre a carreira, que é tema de obra a ser lançada terça, no Rio

Paulista foi contratado pela "Harper's Bazaar" nos anos 60 e ficou famoso por imagens de Jack Nicholson e Sophia Loren, entre outros


MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O fotógrafo Otto Stupakoff, 71, distribui abraços e beijos nos corredores da editora Cosacnaify, em São Paulo, onde foi ver pela primeira vez seu livro-retrospectiva. A obra será lançada no Rio na próxima terça, acompanhada de mostra na Pequena Galeria 18.
Efusivo, encontra por acaso a fotógrafa Claudia Andujar, que não via desde os anos 60. Ambos festejam o reencontro.
Stupakoff voltou ao Brasil em definitivo no ano passado e, com isso, sua produção começa a ser novamente valorizada no país. Em geral ligado ao lado mais glamouroso da fotografia, retratando mulheres como Sophia Loren, Sharon Tate, Marisa Berenson e Jennifer Connelly, atores como Jack Nicholson e Paul Newman, entre outras figuras famosas, Stupakoff foi destacado profissional de moda em anos de ouro da "Harper's Bazaar", sendo contratado em 1965 pela revista americana. Em São Paulo, sete anos antes, marca época por iniciar o trabalho profissional da fotografia de moda. Ele possui mais de 40 fotos no acervo permanente do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York).
Mas Stupakoff tem produção menos conhecida, como a de retratos, de instantâneos de rua e de viagens que fez, como para o Camboja, em 1994, onde percebe a extensão do conflito no qual o país ficou imerso. Parte dessa produção deve ser publicada pela Cosacnaify no ano que vem, além de um livro de crônicas. "É sobre o meu encontro com o feminino", diz ele, que conversou com a Folha no escritório da editora.

 

O INÍCIO
É engraçada essa coisa de eu ter me influenciado pelos álbuns de família. Você procura um caminho individual, pessoal, e acaba descobrindo que sempre tinha o que estava procurando. Morei no Tatuapé, vim da Maternidade São Paulo, onde eu nasci, para lá. Era uma casinha pequena, em rua não muito longa, calçada de terra batida, guias cortadas a enxada. Mas passei toda minha infância no Jardim Europa, onde tive acesso a todos esses álbuns.

A VONTADE DE FAZER CINEMA
Cinema era realmente a minha paixão, o que mais queria fazer. Comecei a fazer aos 12, 13 anos. Tinha uma câmera de 8 mm, constantemente fazia filmes. Aos 14 anos, fiz um curta que se chamava "Missão", infantil como eu era, mas que já demonstrava a necessidade de me expressar.
Escrevi uma vez uma carta ao diretor Frank Capra [diretor americano, de "Do Mundo Nada se Leva"], falando que queria fazer cinema e, onde vivia, não tinha escolas.
Recebi num papel timbrado dele, uma carta pessoal, falando "Caro Otto, se o desejo que você tem de fazer cinema é tão grande e a única coisa que tem é uma câmera de 8 mm, a única coisa da qual você necessita é um pouco de sorte, e eu estou aqui te desejando é um barril cheio dela, assinado Frank Capra". A carta depois se perdeu. Depois, encontrei o Alberto Cavalcanti [diretor brasileiro, de "Na Solidão da Noite"], em 1951, e ele me disse que era totalmente impossível fazer cinema no Brasil, devido à maneira com a qual o brasileiro encarava o trabalho de equipe. Ele me disse que, muitas vezes, dirigindo um filme, ele escutava lá em cima da escada o encarregado de iluminação reposicionando um holofote e dando instruções à atriz principal sobre o que ela teria de fazer.

A FOTOGRAFIA DE MODA
Hoje, as revistas de moda estão decididas a contentar o cliente. Até os anos 70 e pouco, as revistas se lixavam para os clientes porque consideravam um privilégio para um cliente fulano de tal aparecer em revistas de moda. A revista era uma vitrine, havia fotógrafos de grande talento.

OS GRANDES NOMES
Tinha muitos... Irving Penn, Art Kane [1925-1995], o próprio Richard Avedon [1923-2004], o Bobby Richardson era de uma sensibilidade extrema.
O trabalho que ele fez era de uma emoção tremenda, como também era o trabalho do Saul Leiter. O Saul Leiter tinha uma maneira bem particular, o estilo dele é um pouco voyeur, ele se escondia um pouco atrás de alguma coisa, não se confrontava com as modelos.
Eu era totalmente oposto. O meu interesse não era pelo traje, e sim pela mulher como ser humano, mais do que a representação da modelo feita por uma modelo.

ESTILO
Buscava uma naturalidade rebuscada com muito afinco, muito empenho, muita conversa. Queria conhecer a modelo o máximo que me era permitido. Gostava de modelos que eram um pouco atrizes, como a Jennifer Connelly, que tinha um "a mais". A minha formação não é estilizada, como por exemplo a formação de um Albert Watson, como o estilo de um Herb Ritts. Neles, havia um empenho maior na representação gráfica que no ser humano. Isso não condizia com a minha maneira de ver a mulher. E talvez a minha natureza brasileira, a mulher era muito mais importante que a roupa que ela trajava. Outros fotógrafos não, a transformavam num cabide, com fantásticos efeitos de iluminação, de composição, de técnica. O Alberto Rizzo recortava a foto das modelos, escurecia-as tanto que elas viravam silhuetas. Quem tinha apreço pela mulher como ser humano era o Richard Avedon. Mas por isso o Avedon trabalhava com as mesmas modelos.

PRODUÇÃO MENOS CONHECIDA
Esse lado social já está presente em todo o meu trabalho. Aprendi em 71 anos de vida o valor da integridade, seja ao fazer uma natureza-morta, uma foto de moda ou uma imagem de pedinte na rua. Em Salvador, o que fiz foi a observação de um momento em que um homem trajado de branco à imagem de um anjo, em toda sua hipocrisia, com as mãos em estado de prece, se nega a ajudar uma mulher pobre, uma pedinte.


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