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crítica
Dennis Lehane se inspira no cinema antigo
CRÍTICO DA FOLHA
Numa das cenas do
novo romance de
Dennis Lehane, autor de "Sobre Meninos e Lobos", o detetive Patrick Kenzie é ameaçado por um dos
mandatários da máfia italiana de Boston.
O episódio se dá durante
um "brunch" no qual se reúnem "capos" locais, seus asseclas, mulheres e filhos. Na
mansão suburbana, alguns
bebericam coquetéis de laranja com champanhe na sala enquanto o chefão, nanico,
de avental e ostentando um
imenso topete negro, grelha
pedaços de bisteca na churrasqueira do jardim.
Em que filme de Coppola,
Brian De Palma ou Martin
Scorsese vimos esse quadro?
Para deixar claro de que não
se trata de coincidência,
Kenzie, um cinéfilo contumaz, discorre sobre filmes
antigos e chega a exclamar:
"Para onde é que você foi,
Burt Lancaster, e por que levou embora quase tudo o que
havia de bom?".
Sabe-se que o sistema narrativo dos filmes deriva em
grande parte da literatura
realista do século 19. Já faz
algum tempo, e "Dança da
Chuva" é um bom exemplo,
que o cinema, sobretudo o
americano, inspira a literatura. Lemos o livro de Lehane, com seus diálogos espertos e cenas plásticas, como se
assistíssemos a uma produção hollywoodiana.
"Dança da Chuva" clama
desde a epígrafe pelos tempos idos, por um momento
em que as histórias tinham
sentido e a modernidade não
havia estilhaçado as referências anteriores. Essa aspiração retrógrada faz par com o
sentimento puritano que parece constituir a última centelha de realidade a animar
personagens tomados por tamanha irrealidade.
As peripécias de Kenzie
iniciam quando um tipo perverso, por algum motivo desconhecido, induz uma boa
moça ao suicídio. O modus
operandi do psicopata é atormentar tanto suas vítimas
que elas desejam a morte.
Ele tenta essas pessoas como
Deus tentou Jó: tira-lhes a
razão de viver. Kenzie sai no
encalço desse deus mau que
impera no mundo ilógico em
que seres de celulóide agem
movidos por uma vaga noção
cristã que não questionam
nem entendem.
O capanga de Kenzie lhe é
fiel porque é assim que deve
ser, a ex-mulher do herói
continua a dar-lhe apoio porque isso é o certo. Em nome
da decência, os mocinhos tomam a justiça nas próprias
mãos. Em que faroeste que
vimos essa situação?
(MP)
DANÇA DA CHUVA
Autor: Dennis Lehane
Tradução: Luciano Vieira Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (424 págs.)
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