São Paulo, Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2000


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VÍDEO/LANÇAMENTOS

Indie Fiction


Histórias paralelas podem ser vistas nas produções independentes "Pulp Fiction", de Quentin Tarantino, e "Vamos Nessa", de Doug Liman
LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada


Oh, não! Quentin Tarantino e "Pulp Fiction" outra vez?
Calma lá. A emergente mas ainda incipiente DVDteca brasileira acaba de ser abastecida pelo já exaustivamente falado segundo filme do diretor mais badalado dos anos 90. E isso está longe de ser pouca coisa.
Quentin Tarantino, é bom lembrar, está para o cinema assim como o Nirvana para a música: ambos trouxeram do "underground" para o "mainstream" uma explosão artística independente das mais entusiasmantes, que abalou para sempre essa divisão de classes.
E por isso "Pulp Fiction", o filme, é parente próximo de "Nevermind", o disco.
O rock já existia e já havia sido pesado antes de Kurt Cobain pegar na guitarra? Tarantino plagiou cenas e roteiro de filmes obscuros do passado?
Quem se importa? Lavoisier foi mais pop nesta década do que Andy Warhol em toda a sua existência.
Quentin Tarantino, na época com uns 30, fez "Pulp Fiction" baseado em sua formação de balconista de videolocadora e assíduo frequentador das sessões da madrugada na TV.
Um jovem esquisito fã de filmes-lixo de Hong Kong que se transformou, com dois filmes (antes veio "Cães de Aluguel", de 1992), na referência quase obrigatória para a nova cinematografia americana.
A herança de Tarantino ainda hoje visita a produção "indie" dos Estados Unidos. Exemplo disso é o divertido "Vamos Nessa" -cujo lançamento em vídeo esta página também contempla (leia texto ao lado).
Com "Pulp Fiction", nunca um DVD deu tanto sentido ao item "índice de escolha de cenas". Um toque certo na tecla do controle remoto e você cai dentro da antológica parte em que Uma Thurman e John Travolta dançam "twist" dentro de uma lanchonete anos 50, talvez uma das cenas mais bacanas do cinema na década (atire a primeira pipoca quem não concordar). É momento de um lirismo arrebatador, de simbologia que vai desembocar em "Os Embalos de Sábado à Noite".
Outro apertão no controle e dá para ver Bruce Willis (a lista de atores "malditos" recuperados por Tarantino é imensa) protagonizando fugas e acidentes espetaculares, participando de sessão de tortura bizarra e enfrentando gângsteres para recuperar um relógio de família, dado do pai, que sofreu horrores para manter a tradição do presente (essa é para quem já viu o filme).
Quando "Pulp Fiction" foi lançado, dois clichês perseguiram o diretor: que ele fazia apologia à ultraviolência e que havia fracassado por causa da "síndrome do segundo filme". Bah!
Chamar de violento o cinema de Tarantino é rasteiro. Ele ultrapassa a violência hiper-real e estéril dos noticiários televisivos para transformá-la em linguagem, elevando-a ao status de arte. O cineasta faz dela um exercício da forma. Corpos explodem a bala, há sangue por toda parte, mas não há envolvimento moral do espectador com o filme.
É violência sem conclusão ética, apenas um item a mais de um pacote de virtudes que ainda traz ineditismo de tomadas, diálogos dos melhores e ritmo alucinante.
Tarantino é exímio na manipulação de um cinema que exige cada vez mais informação em menor tempo. É ainda excelente em mostrar uma cruel dupla de gângsteres conversando sobre massagem, discursando sobre Deus, falando sobre turismo.
Um casal romântico que se trata como "amorzinho"e "gostosura" e ao mesmo tempo está às voltas com assalto e cocaína. Tudo sem chocar. Só pela diversão.
Se você tem DVD e não se lembra de quanto Uma Thurman pagou no milk-shake, de como eles falam quarteirão-com-queijo na França e o que o tomate-pai falou para o tomate-filho, "Pulp Fiction" é a grande pedida.
Se você não tem o aparelho, pegue o filme em vídeo. Está na hora de rever o nó que Tarantino deu no cinema há seis anos.


Avaliação:    


DVD: Pulp Fiction - Tempo de Violência Título original: Pulp Fiction Produção: EUA, 1994 Idiomas: inglês e português Legendas: português e espanhol Extras: filmografias, menu interativo e índice para escolha de cenas, som Dolby Digital 5.1 Tela: widescreen (cinema) e standard (padrão) Distribuidora: Buena Vista


Vamos Nessa
"Vamos Nessa" é o seguinte: um bando de moleques acaba nas piores enrascadas que alguém pode arrumar no período de uma noite. As roubadas envolvem drogas (muitas), armas (poucas), carangos (alguns) e prostitutas (algumas) e se passam em Los Angeles e Las Vegas. Tudo isso em uma noite.
"Vamos Nessa" também é um "Pulp Fiction" adolescente, com a diferença de que, em vez de todo mundo portar revólveres e ter 30 e poucos, todo mundo usa drogas e tem quase 20.
Da mesma forma que no filme de Quentin Tarantino, o roteiro é elíptico. Ou melhor, de forma diferente. O primeiro não tinha ordem cronológica nenhuma, mas era todo entrelaçado. Esse é mais simples: conta a história de Ronna, depois volta ao ponto inicial e conta a história de Simon, aí retrocede novamente e conta a história de Adam e Zack.
O elenco é aquela beleza teen norte-americana dos anos 90, meio cool. Dois deles são famosos -entre os adolescentes cool- por estrelarem séries da TV paga.
Outra coisa: se "Pulp Fiction" deixava algumas histórias em aberto, em "Vamos Nessa" tudo acaba irritantemente certinho. Ninguém morre, ninguém sofre (Simon chega a gritar alegremente "Estou bem" um segundo e meio após levar um tiro no braço), todos voltam ao trabalho como se nada tivesse acontecido.
Há qualidades. A viagem de drogas de Mannie, no início do filme, é hilariante. O ritmo do filme é diferente e traz um estranhamento: começa tenso, parece que vai descambar para o suspense, acaba cômico.
A história de Ronna (Sarah Polley) é a origem do filme. O roteirista John August a escreveu inicialmente para ser filmada como um curta-metragem. Mostra a garota, uma caixa de supermercado, tentando passar a perna em traficantes para faturar uma grana. Resolve vender aspirina como se fosse ecstasy. Seu objetivo é nobre: não ser despejada.
A segunda, de Simon (Desmond Askew) e seus amigos, é a viagem maluca para Las Vegas atrás de sexo, drogas, rock'n'roll, carros, dinheiro e mulheres.
Depois, os namorados Adam (Jay Mohr, do filme "Jerry Maguire") e Zack (Scott Wolf, do seriado deprê "O Quinteto") dançam miudinho na mão de um tira que esconde seu verdadeiro objetivo.
Completa a saga a história da certinha (Katie Holmes, do teen "Dawson's Creek"), que se envolve com o traficante mau-caráter.

Avaliação:  


Lançamento: Vamos Nessa Título original: Go Produção: EUA, 1999 Distribuidora: Columbia


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