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LITERATURA
Cadão Volpato faz da vida laboratório de experiências
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Os 23 textos que
compõem "Dezembro de um Verão
Maravilhoso", o segundo livro de Cadão Volpato, não
são propriamente contos. Em vez
de relatar histórias, eles compõem
cenas, atmosferas, fragmentos da
experiência vivida ou imaginada.
Terminada a leitura de cada um
desses breves textos, é difícil resumir o que se descreveu ali. O que
fica em nós é como o resíduo esgarçado de um sonho ou de uma
lembrança longínqua.
Não que se trate de personagens
e situações etéreas ou inefáveis.
Os personagens e cenários são,
pelo contrário, os mais ordinários: namoros furtivos entre colegas de aula ou de trabalho, o resgate dos ossos de um cão enterrado no quintal, o show de um mágico de botequim...
O que torna insólitos e fugidios
esses instantâneos, banhando-os
numa luz quase espectral, é o modo oblíquo e elíptico como Volpato os apresenta.
Escondidos no seio da prosa
aparentemente mais espontânea,
há pelo menos dois procedimentos narrativos dignos de nota.
O primeiro é o de descrever
sempre as situações como que a
partir de sua periferia, dando relevo àquilo que, num relato convencional, seria desimportante.
Desse modo, o leitor é obrigado
a construir o essencial do drama
com base nas pistas (dadas como
que por acaso) e silêncios do texto.
Por essa via, várias são as narrativas ocultas possíveis, e mais numerosos ainda os sentidos que se
podem dar a elas. Avaro, o texto
de Volpato se multiplica com a
participação do leitor.
A par dessa manobra de potencialização do sentido, em que o
menos vale mais, há nesses relatos
uma dissolução da hierarquia entre o que é principal e o que é secundário.
Como no filme "O Fantasma da
Liberdade", de Luis Buñuel, muitas vezes o personagem que começa como coadjuvante num determinado conto ganha o primeiro plano no parágrafo seguinte,
graças ao olhar onívoro do narrador (tanto em primeira como em
terceira pessoa).
Há aí uma sutil declaração de
princípios: toda vida humana, toda minúscula partícula de experiência merece ser iluminada,
mesmo que seja por um instante.
Nesse olhar que se desloca, que
é alternadamente feminino e
masculino, adulto e infantil, é
possível reconhecer sempre o humanismo radical de Cadão Volpato, escritor que, à maneira dos
surrealistas, faz da própria experiência de vida um laboratório de
criação e reflexão.
Não por acaso, referências autobiográficas pontuam quase todos
os contos: num deles, o personagem é ator de um comercial de leite; em outro, revisor; em outro, letrista de rock; em outro, militante
trotskista.
Cadão Volpato é ou foi um pouco de tudo isso. E dá a impressão,
retrospectivamente, de ter vivido
essas coisas para transformá-las
em literatura. Agora é a literatura
que volta para a vida.
Outro ponto que aproxima o
autor do ideário surrealista é o
gosto pelas imagens insólitas, formadas pela aproximação entre
realidades díspares.
Esse procedimento -que tem
seu paradigma na célebre frase de
Lautréamont: "Belo como o encontro fortuito entre um guarda-chuva e uma máquina de costura
sobre uma mesa de dissecação"- é responsável por alguns
pontos altos e quase todos os pontos baixos do livro.
Um exemplo está logo na primeira página: "Sinto sua falta
-branca, providencial, gritante e
um pouco vermelha (nas maçãs
do rosto) como uma ambulância".
Em momentos assim, Volpato
parece deixar-se levar pelas facilidades perigosas da metáfora.
É um risco menor, numa obra
notável por seu caráter inventivo,
íntegro e original.
Avaliação:
Livro: Dezembro de um Verão
Maravilhoso
Autor: Cadão Volpato
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 15,30 (94 págs.)
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