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"AMARCORD"
Fellini reinventa a memória na tela
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Alguns críticos dividem a
obra de Frederico Fellini em
duas fases: uma primeira, realista,
e uma segunda, oposta, delirante.
A virada teria acontecido em 1963
com "Oito e Meio", trabalho que,
para os defensores dessa idéia,
costuma ser o melhor.
A divisão é válida. Mas há outra
possibilidade de leitura em que
essa repartição perde o sentido,
aquela que considera o "real" como tudo o que é linguagem, incluindo, portanto, a memória e a
fantasia. Sob esse aspecto, Fellini
jamais deixou de ser realista.
No mais delirante de seus filmes
existe uma verdade atávica diretamente ligada à linguagem do cinema e à sua capacidade de reinventar, na tela, a lembrança e o sonho. Para os que gostam de ver assim a obra do cineasta, é "Amarcord" o seu melhor filme.
"Amarcord" é a transcrição fonética da frase "Io mi ricordo" assim como ela é pronunciada no
dialeto da cidade natal do diretor,
Rimini. O filme é uma colagem de
cenas inspiradas nessa cidade,
que não aparece como reconstituição fiel, mas como recriação.
É difícil não se deixar seduzir
pela estrutura fragmentada, pelas
imagens alegóricas, pelo humor e
pela poesia que habitam cada
fragmento. "Amarcord" tem algumas das imagens mais marcantes do cinema, como o guri que se
deixa afogar nos enormes peitos
de uma matrona italiana, o homem que sobe em cima de uma
árvore e grita sem parar "Eu quero uma mulher!" e o imenso navio
de luzes que surge sobre o mar de
plástico e a neblina fabricada.
Em "Amarcord", enfim, Fellini
filmou a memória com imagens
que ficam na lembrança do espectador. Encontrou uma das possíveis formas puras do cinema.
Amarcord
Amarcord
Direção: Frederico Fellini
Produção: Itália/França, 1973
Com: Bruno Zanin, Pupella Maggio
Quando: A partir de hoje na Sala UOL de
Cinema
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