São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 2003

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"AMARCORD"

Fellini reinventa a memória na tela

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Alguns críticos dividem a obra de Frederico Fellini em duas fases: uma primeira, realista, e uma segunda, oposta, delirante. A virada teria acontecido em 1963 com "Oito e Meio", trabalho que, para os defensores dessa idéia, costuma ser o melhor.
A divisão é válida. Mas há outra possibilidade de leitura em que essa repartição perde o sentido, aquela que considera o "real" como tudo o que é linguagem, incluindo, portanto, a memória e a fantasia. Sob esse aspecto, Fellini jamais deixou de ser realista.
No mais delirante de seus filmes existe uma verdade atávica diretamente ligada à linguagem do cinema e à sua capacidade de reinventar, na tela, a lembrança e o sonho. Para os que gostam de ver assim a obra do cineasta, é "Amarcord" o seu melhor filme.
"Amarcord" é a transcrição fonética da frase "Io mi ricordo" assim como ela é pronunciada no dialeto da cidade natal do diretor, Rimini. O filme é uma colagem de cenas inspiradas nessa cidade, que não aparece como reconstituição fiel, mas como recriação.
É difícil não se deixar seduzir pela estrutura fragmentada, pelas imagens alegóricas, pelo humor e pela poesia que habitam cada fragmento. "Amarcord" tem algumas das imagens mais marcantes do cinema, como o guri que se deixa afogar nos enormes peitos de uma matrona italiana, o homem que sobe em cima de uma árvore e grita sem parar "Eu quero uma mulher!" e o imenso navio de luzes que surge sobre o mar de plástico e a neblina fabricada.
Em "Amarcord", enfim, Fellini filmou a memória com imagens que ficam na lembrança do espectador. Encontrou uma das possíveis formas puras do cinema.


Amarcord
Amarcord
    
Direção: Frederico Fellini
Produção: Itália/França, 1973
Com: Bruno Zanin, Pupella Maggio
Quando: A partir de hoje na Sala UOL de Cinema



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