|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA/CRÍTICA
Obra do dramaturgo alemão, morto em 1995, é revisitada em "Heiner Müller, o Espanto no Teatro"
Publicação de Müller se abre a superações
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Teria Heiner Müller (1929-95) superado Bertolt Brecht
(1898-1956)? A provocação abre
"Heiner Müller, o Espanto no
Teatro", da editora Perspectiva,
que é fiel ao princípio de só publicar as obras de um autor acompanhando-as de seu contexto crítico
e histórico. A organizadora Ingrid
Koudela, especialista nos dois
dramaturgos, resolve essa falsa
questão na introdução com uma
frase do próprio Müller: "Usar
Brecht, sem criticá-lo, é traição".
O teatro dialético, a serviço da
reflexão de quem o vê e quem o
faz, não pode se limitar a dogmas
para o marketing dos "brechtianos". Superar Brecht foi, antes de
tudo, a meta do próprio Brecht.
Müller -que teve celebrado
ontem os 75 anos de seu nascimento-, portanto, sucedendo o
mestre no comando de seu Berliner Ensemble, incorpora a seus
objetivos os meios do pós-modernismo, como demonstra Ruth
Röhl no ensaio que se segue, cuidadosa análise das montagens do
autor e encenador a partir de
1976. E é ele mesmo que o comprova na sequência do volume,
em suas análises de Brecht, Artaud e Pina Bausch, em apaixonado endosso pelo desprezo ao literário e o fascínio pelo teatro físico.
Essa recusa da receita escrita e o
amor pela performance faz com
que seu pensamento seja melhor
registrado em entrevistas: segue-se, pois, um depoimento a Lotringer, sobre a vida na Berlim dividida pelo muro, e outro a Umbrecht, sobre seus processos criativos. Por fim, quando se chega às
duas peças suas, são muito mais
que textos mortos. "Horácio", em
tradução de Koudela e já montado por Márcio Aurélio em 1988
em São Paulo, se abre a outras encenações possíveis; o inédito
Macbeth (traduzido por Alexandre Krug), surpreende por sua fidelidade ao original de Shakespeare, intensificado apenas em lirismo e ferocidade. Gerald Thomas, o outro grande encenador de
Müller no Brasil, costuma tomar
mais liberdade.
Teria então Müller sido superado por Gerald Thomas e Márcio
Aurélio? Claro que sim. Desvencilhando-se dos adoradores de múmias, o seu texto se constituirá
sempre em novo ponto de partida. Que a grama cresça em seu túmulo: Müller já virou semente.
Heiner Müller, o Espanto no Teatro
Autor: Ingrid Koudela
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 26 (200 págs.)
Texto Anterior: "Histórias da Pré-História": Alberto Moravia conta suas fábulas fabulosas Próximo Texto: Panorâmica - Cinema: Suécia perde Ingrid Thulin, 77, musa de filmes do diretor Ingmar Bergman Índice
|