|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Hoje meio esquecido, Lalá precisa ser cantado de novo
CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje é dia de cantar Lalá. Afinal, há exatos cem anos nascia no Rio de Janeiro o maior
compositor de marchas de Carnaval e uma das grandes figuras da
história dessa festa no Brasil: Lamartine Babo (1904-1963), um expoente da era de ouro da música
brasileira, os anos 30 do século 20.
Não são poucas as canções de
sua autoria que se mantêm populares até agora, atestando a sua
importância. Como, por exemplo, as carnavalescas "O Teu Cabelo Não Nega", "Linda Morena"
e "Grau Dez" (parceria com Ary
Barroso). Ou então as juninas
"Chegou a Hora da Fogueira" e
"Isto É Lá com Santo Antônio". E
ainda as sertanejas "No Rancho
Fundo" e "Serra da Boa Esperança" (outra com Ary). E há também os hinos de simplesmente todos os grandes clubes de futebol
do Rio de Janeiro, os mais bonitos
no gênero.
Mas tão importante quanto a
popularidade é a singularidade de
suas criações cheias de humor e
graça, sempre acompanhados por
invenções na linguagem.
Tais características já se insinuam nos títulos de coisas como a
dadá "A.B.surdo" e "A.E.I.O.U."
("marcha colegial"), ambas compostas com Noel Rosa, e "Babo...zeira", esta última destacando duas outras das marcas lamartinianas: o trocadilho e a auto-ironia.
Também humorístico, além de
satírica, é o fox "Canção pra Inglês
Ver", obra-prima de nosso nonsense popular, rimando termos
em português, inglês e francês.
E o que dizer da modernista
"História do Brasil"? Talvez que
ela pudesse constar de algum livro do poeta e apólogo do Carnaval, Oswald de Andrade. Que,
aliás, cita o nome do compositor e
um trecho da sua marcha "Aí,
Hem?", na peça "O Rei da Vela",
de 1933.
Influências
No início dos 70, Caetano Veloso aplicou em sua "Cara a Cara"
uma canção carnavalesca, um jogo de palavras e sons ("Tire essa
máscara Cara a cara/ cara a cara
quero ver você") introduzido por
Lalá em "Hino do Carnaval Brasileiro" ("Salve a mulata/ Cor do café, a nossa grande produção São,
são são quinhentas mil morenas!"). Na mesma década ganhou
corpo a obra daquela que, também por combinar irreverência e
inventividade, é a grande sucessora de Lamartine na MPB: a roqueira Rita Lee.
(Um outro "descendente" de
Lalá que ainda atuou no teatro de
revista, no rádio, no cinema e até
na TV está no jornalismo atual; é
o colunista da Folha José Simão.)
Foi também nos anos 70 que ele,
cujos principais intérpretes foram
Mário Reis, Francisco Alves e Carmen Miranda, foi "re-cantado",
entre outros, por Chico Buarque,
Maria Bethânia e Nara Leão juntos ("Cantores do Rádio") e por
João Gilberto e Rita Lee em duo
("Joux Joux e Balangandãs"). As
Frenéticas e o grupo Rumo lhe dedicaram álbuns especiais nos 80.
Mas de lá para cá ele não tem sido
mais gravado.
As mais recentes gerações de intérpretes precisam redescobri-lo.
Arnaldo Antunes cita a sua "Rasguei a Minha Fantasia" num rock.
Caetano e Jorge Mautner revisitaram o seu "Hino do Carnaval Brasileiro" em 2002. A menos de dois
meses do carnaval, é o caso de
cantarmos: Lalá, Lalá, Lalá, Lalá!
Carlos Rennó é compositor, jornalista e
produtor
Texto Anterior: Música: Homenagens lembram centenário de Babo Próximo Texto: Personalidade: Morre aos 94 o filósofo Norberto Bobbio Índice
|