São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

Hoje meio esquecido, Lalá precisa ser cantado de novo

CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje é dia de cantar Lalá. Afinal, há exatos cem anos nascia no Rio de Janeiro o maior compositor de marchas de Carnaval e uma das grandes figuras da história dessa festa no Brasil: Lamartine Babo (1904-1963), um expoente da era de ouro da música brasileira, os anos 30 do século 20.
Não são poucas as canções de sua autoria que se mantêm populares até agora, atestando a sua importância. Como, por exemplo, as carnavalescas "O Teu Cabelo Não Nega", "Linda Morena" e "Grau Dez" (parceria com Ary Barroso). Ou então as juninas "Chegou a Hora da Fogueira" e "Isto É Lá com Santo Antônio". E ainda as sertanejas "No Rancho Fundo" e "Serra da Boa Esperança" (outra com Ary). E há também os hinos de simplesmente todos os grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro, os mais bonitos no gênero.
Mas tão importante quanto a popularidade é a singularidade de suas criações cheias de humor e graça, sempre acompanhados por invenções na linguagem.
Tais características já se insinuam nos títulos de coisas como a dadá "A.B.surdo" e "A.E.I.O.U." ("marcha colegial"), ambas compostas com Noel Rosa, e "Babo...zeira", esta última destacando duas outras das marcas lamartinianas: o trocadilho e a auto-ironia.
Também humorístico, além de satírica, é o fox "Canção pra Inglês Ver", obra-prima de nosso nonsense popular, rimando termos em português, inglês e francês.
E o que dizer da modernista "História do Brasil"? Talvez que ela pudesse constar de algum livro do poeta e apólogo do Carnaval, Oswald de Andrade. Que, aliás, cita o nome do compositor e um trecho da sua marcha "Aí, Hem?", na peça "O Rei da Vela", de 1933.

Influências
No início dos 70, Caetano Veloso aplicou em sua "Cara a Cara" uma canção carnavalesca, um jogo de palavras e sons ("Tire essa máscara Cara a cara/ cara a cara quero ver você") introduzido por Lalá em "Hino do Carnaval Brasileiro" ("Salve a mulata/ Cor do café, a nossa grande produção São, são são quinhentas mil morenas!"). Na mesma década ganhou corpo a obra daquela que, também por combinar irreverência e inventividade, é a grande sucessora de Lamartine na MPB: a roqueira Rita Lee.
(Um outro "descendente" de Lalá que ainda atuou no teatro de revista, no rádio, no cinema e até na TV está no jornalismo atual; é o colunista da Folha José Simão.)
Foi também nos anos 70 que ele, cujos principais intérpretes foram Mário Reis, Francisco Alves e Carmen Miranda, foi "re-cantado", entre outros, por Chico Buarque, Maria Bethânia e Nara Leão juntos ("Cantores do Rádio") e por João Gilberto e Rita Lee em duo ("Joux Joux e Balangandãs"). As Frenéticas e o grupo Rumo lhe dedicaram álbuns especiais nos 80. Mas de lá para cá ele não tem sido mais gravado.
As mais recentes gerações de intérpretes precisam redescobri-lo. Arnaldo Antunes cita a sua "Rasguei a Minha Fantasia" num rock. Caetano e Jorge Mautner revisitaram o seu "Hino do Carnaval Brasileiro" em 2002. A menos de dois meses do carnaval, é o caso de cantarmos: Lalá, Lalá, Lalá, Lalá!


Carlos Rennó é compositor, jornalista e produtor


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