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Um autor que faz pensar com sintonia fina
RENATO JANINE RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Norberto Bobbio é
um dos grandes pensadores políticos que o século
20 nos deixou. Uso o verbo
no presente porque, mesmo
ele tendo morrido, como
pensador continua vivo. Coloco seu nome na mesma lista em que situaria Carl
Schmitt, Hannah Arendt,
Isaiah Berlin, Claude Lefort e
Jacques Rancière, sem me
preocupar em ordená-los
pelo mérito.
Comecemos notando a
frequência com que diz "é
preciso distinguir", talvez a
expressão mais recorrente
em sua pena. Essa preocupação com o "distinguo" não é
mania de escolástico: é sinal
de que ele pensa com sintonia fina.
Veja-se seu "Liberalismo e
Democracia": embora socialista, Bobbio reconhece os
méritos do pensamento liberal. Mas não esquece que o
termo "democracia liberal"
expressa uma contradição
ou, ao menos, uma tensão.
Distinguir democracia e liberalismo é recusar a pretensão dogmática de que todo o bem esteja de um lado,
e todo o mal de outro.
Talvez daí venha, nesse homem que combateu o fascismo, uma moderação que
nem sempre agradou à esquerda radical: porque, distinguindo, ele realça as qualidades dos oponentes. Daí
também, em sua obra, um
tom de diálogo entre as linhagens principais da boa
política moderna (assim poderíamos classificar o socialismo, o liberalismo, a democracia e a república).
Mas ele sempre se situou à
esquerda. Leiam seu "Liberdade e Igualdade". Quase todos os teóricos da política dizem que a esquerda enfatiza
a igualdade, e a direita a liberdade. Norberto Bobbio,
não. Ele diz que a esquerda
enfatiza a igualdade, que a
direita e a esquerda democráticas apostam na liberdade, que os extremos (à esquerda e à direita) não
amam a liberdade.
Liberdade e igualdade
O resultado é que ele retira
da direita moderada o monopólio da liberdade! E com
isso ele dá, à esquerda democrática, a vantagem de ser a
única a defender ao mesmo
tempo a liberdade e a igualdade.
Desde Hegel, geralmente
os filósofos começam fazendo história da filosofia. Bobbio, também. Tem um
"Hobbes" de excelente qualidade. Livros de introdução
usualmente não passam de
aborrecidos guias de leitura.
Bobbio escapa dessa praga.
Quando fala de um clássico,
não é para resumi-lo, mas
para expor um viés novo,
partindo às vezes de um significante pequeno. Sua leitura é criativa.
O que une sua leitura do
passado a sua escrita do presente é o respeito do matiz. É
nas distinções que está nossa
chance, como cidadãos, de
construir uma política diferente ou, simplesmente, de
pensar. Um autor inteligente, claro, respeitoso do assunto e do leitor: o que podemos querer de melhor?
Renato Janine Ribeiro, 54, é
professor titular de ética e filosofia política na USP e autor de "A
Sociedade contra o Social" (Companhia das Letras), entre outros
títulos; atualmente leciona na
Universidade de Columbia, em
Nova York
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