São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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Crítica/"O Conde de Monte Cristo"

Vingança de Dantès pertence à esfera do mito

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Inveja, traição, fuga de uma prisão de segurança máxima, um tesouro secreto, um plano de vingança e vários assassinatos. Não. Esses não são os elementos da nova novela das oito. Eles pertencem à trama de um dos folhetins de maior sucesso no século 19, "O Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas (1802 -1870).
Dumas dizia que seu maior objetivo ao escrever era "entreter e magnetizar os leitores". Esse talento para encantar o grande público pode ser conferido agora na nova edição do romance em português. Depois das muitas versões resumidas para a TV, o cinema e os quadrinhos, e das inúmeras adaptações para o público infanto-juvenil, o texto original está de volta, traduzido na íntegra. Na época em que o folhetim foi escrito, não havia televisão nem cinema, mas havia a primitiva necessidade humana de narrativas intensas, capazes de promover a catarse coletiva. Isso fez com que os leitores esperassem ansiosos, de agosto de 1844 a janeiro de 1846, pelos capítulos dominicais do romance.
Desde então, nunca mais saíram do imaginário ocidental a queda e a ascensão de Edmond Dantès, que, motivado pelo desejo de vingança, enriquece, torna-se conde e, fazendo justiça com as próprias mãos, triunfa sobre seus inimigos. Vingança é a palavra que melhor define o best-seller que Dumas escreveu após publicar sua obra mais célebre, "Os Três Mosqueteiros" (1844). Diferentes dos primeiros leitores, hoje todos sabem que, onde a justiça falhou, a vingança vencerá. O prazer está em acompanhar o andamento do jogo, sem pressa, apreciando cada detalhe. Dantès é o jovem leal e íntegro, prestes a ser promovido e a se casar, o que desperta a inveja do amigo Danglars. Este, com a ajuda de comparsas, o envolve numa intriga política. Dantès é condenado e segue para a pior prisão do Estado, o castelo de If. Os anos passam, e Dantès perde a esperança de que a justiça seja feita. Até conhecer outro prisioneiro, o abade Faria.
A partir daí a ação se precipita: Dantès escapa da prisão, alia-se a piratas, toma posse do tesouro escondido na ilha de Monte Cristo e volta a Paris, disfarçado, para se vingar. As idas e vindas da trama, as peripécias mais surpreendentes e os pormenores dessa vingança -igual a ela, só a de Hamlet- ocupam mais de mil páginas. Mas são os pormenores que fazem o romance original vencer até mesmo a adaptação de Kevin Reynolds para o cinema, ágil, mas simplificada demais.

Assistentes
Diante de tanta exuberância, há quem pergunte por que Dumas não é tão respeitado pela crítica especializada quanto Stendhal, Balzac e Flaubert. Talvez pelo fato de no seu trabalhado haver a mão de vários assistentes? Pode ser. Mas a principal razão foi o longo namoro do escritor com o sucesso comercial. Segundo os especialistas, Dumas cometeu o pior pecado: com suas aventuras, procurou acima de tudo entreter e magnetizar os leitores. Mesmo que para isso tivesse de esbanjar nos efeitos especiais.
Obra-prima reconhecida ou não, o fato é que a vingança de Dantès pertence à esfera do mito, como a loucura de Dom Quixote e o ciúme de Bentinho. Por isso costuma cativar leitores fiéis já na adolescência. Certamente a nova edição brasileira vai expandir a legião de fãs.

NELSON DE OLIVEIRA é escritor e doutor em letras pela USP. É autor de "Ódio Sustenido" (Língua Geral) e "A Oficina do Escritor" (Ateliê Editorial), entre outros.
Avaliação: ótimo



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