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Crítica/"O Conde de Monte Cristo"
Vingança de Dantès pertence à esfera do mito
NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Inveja, traição, fuga de
uma prisão de segurança
máxima, um tesouro secreto, um plano de vingança e
vários assassinatos. Não. Esses
não são os elementos da nova
novela das oito. Eles pertencem
à trama de um dos folhetins de
maior sucesso no século 19, "O
Conde de Monte Cristo", de
Alexandre Dumas (1802 -1870).
Dumas dizia que seu maior
objetivo ao escrever era "entreter e magnetizar os leitores".
Esse talento para encantar o
grande público pode ser conferido agora na nova edição do
romance em português. Depois
das muitas versões resumidas
para a TV, o cinema e os quadrinhos, e das inúmeras adaptações para o público infanto-juvenil, o texto original está de
volta, traduzido na íntegra.
Na época em que o folhetim
foi escrito, não havia televisão
nem cinema, mas havia a primitiva necessidade humana de
narrativas intensas, capazes de
promover a catarse coletiva. Isso fez com que os leitores esperassem ansiosos, de agosto de
1844 a janeiro de 1846, pelos capítulos dominicais do romance.
Desde então, nunca mais saíram do imaginário ocidental a
queda e a ascensão de Edmond
Dantès, que, motivado pelo desejo de vingança, enriquece,
torna-se conde e, fazendo justiça com as próprias mãos, triunfa sobre seus inimigos.
Vingança é a palavra que melhor define o best-seller que
Dumas escreveu após publicar
sua obra mais célebre, "Os Três
Mosqueteiros" (1844). Diferentes dos primeiros leitores, hoje
todos sabem que, onde a justiça
falhou, a vingança vencerá. O
prazer está em acompanhar o
andamento do jogo, sem pressa, apreciando cada detalhe.
Dantès é o jovem leal e íntegro, prestes a ser promovido e a
se casar, o que desperta a inveja
do amigo Danglars. Este, com a
ajuda de comparsas, o envolve
numa intriga política. Dantès é
condenado e segue para a pior
prisão do Estado, o castelo de
If. Os anos passam, e Dantès
perde a esperança de que a justiça seja feita. Até conhecer outro prisioneiro, o abade Faria.
A partir daí a ação se precipita: Dantès escapa da prisão,
alia-se a piratas, toma posse do
tesouro escondido na ilha de
Monte Cristo e volta a Paris,
disfarçado, para se vingar. As
idas e vindas da trama, as peripécias mais surpreendentes e
os pormenores dessa vingança
-igual a ela, só a de Hamlet-
ocupam mais de mil páginas.
Mas são os pormenores que fazem o romance original vencer
até mesmo a adaptação de Kevin Reynolds para o cinema,
ágil, mas simplificada demais.
Assistentes
Diante de tanta exuberância,
há quem pergunte por que Dumas não é tão respeitado pela
crítica especializada quanto
Stendhal, Balzac e Flaubert.
Talvez pelo fato de no seu trabalhado haver a mão de vários
assistentes? Pode ser. Mas a
principal razão foi o longo namoro do escritor com o sucesso
comercial. Segundo os especialistas, Dumas cometeu o pior
pecado: com suas aventuras,
procurou acima de tudo entreter e magnetizar os leitores.
Mesmo que para isso tivesse de
esbanjar nos efeitos especiais.
Obra-prima reconhecida ou
não, o fato é que a vingança de
Dantès pertence à esfera do mito, como a loucura de Dom Quixote e o ciúme de Bentinho. Por
isso costuma cativar leitores
fiéis já na adolescência. Certamente a nova edição brasileira
vai expandir a legião de fãs.
NELSON DE OLIVEIRA é escritor e doutor em letras pela USP. É autor de "Ódio Sustenido" (Língua Geral) e "A Oficina do Escritor" (Ateliê Editorial), entre outros.
Avaliação: ótimo
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