São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2000


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TRECHO

"Stevenson acordou com uma dor feroz e quente nos nós dos dedos da mão direita, mas a idéia que lhe viera durante à noite não podia ser ditada. Agradeceu a sua enteada, mas disse-lhe que naquela manhã ia trabalhar sozinho e sentou-se à escrivaninha. Sentia-se febril e seus dedos tremiam um pouco, porém mergulhou a pena na tinta, disciplinado, e se pôs a escrever. Sabia que a história havia se interrompido, enveredando por um desvio inesperado. Tornava-se mais e mais sinistra e violenta, e parecia desencavar coisas vis, indizíveis, por onde passava. Parou um momento, em parte por causa da dor, em parte pelo horror que a história lhe inspirava, mas em seguida retomou a pena, impelido por uma necessidade mais forte. Escrevia sem parar, sua letra já quase ilegível de tanto que lhe tremia a mão. Escreveu 20 páginas sem uma única rasura. Parou quando ouviu a voz de sua mulher do lado de fora do escritório. Seu rosto estava coberto de suor.
Disse a Fanny que não almoçaria; ia se deitar para ver se a dor passava. Depois disse-lhe que havia escrito uma coisa muito diferente e perguntou se ela gostaria de ler. Aquilo se tornara um hábito: ela sempre lia tudo o que ele escrevia, e era a aprovação dela que salvava ou não uma história."


Trecho inédito do livro "Stevenson sobre as Palmeiras", de Albert Manguel, que será lançado em abril pela Companhia das Letras, como parte da coleção "Literatura ou Morte"




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