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FERNANDO BONASSI
Breves considerações a respeito dessas épocas
Há sempre a possibilidade,
como torres são derrubadas, que pontes sejam erguidas.
Também é provável que prevaleça a ignorância acima de todas as
expectativas. É possível que os
maus atores continuem sendo
maus políticos e que os bons atores continuem fazendo bobagens
em nome de ter os pés cimentados
nas calçadas de fama duvidosa. É
possível que os fabricantes de armas triunfem e que os usurários
nos tomem a vergonha da cara. É
provável que as crianças continuem morrendo por estarem vivas e que os homens de negócio
continuem sendo fuzilados nas
esquinas, agarrados aos Rolex
falsificados.
Mas há épocas em que escombros são transformados em países
e épocas em que países se transformam em piadas. É provável
que a insistência nos faça cegos.
Que sejam os surdos a ouvirem
nossas preces. É provável que nossa raiva nos prejudique... mas somos resistentes, se somos! A vida
se impõe e nós queremos a nossa
parte. Alguns querem em dinheiro, outros querem em afeto. Todos querem alguma coisa. Todos
merecem o mesmo. Mesmo sem
querer, quero dizer.
Convém apenas lembrar que há
épocas em que os defuntos levantam, as calças abaixam e a moral
faz água. Há épocas em que se repara nos dentes das éguas, em
que somos tratados feito boiada e
épocas em que nos sentimos as feras do momento. Há épocas em
que os médicos consultam-se em
corporações, em que os juízes desrespeitam as leis e há épocas em
que advogados de porta de cadeia
são capazes de destruir sistemas
cansados com um laudo. Há épocas em que as elites nos legam tradições e épocas em que nos legam
traições ou dívidas. Há épocas em
que o sangue ferve e outras em
que ele espirra. Há épocas em que
dão tiros nos pés e épocas em que
se atiram no escuro. Há épocas
em que os soldados são honrados
e épocas em que espancam os
compatriotas. Há épocas em que
os passaportes têm saída e épocas
em que são negados. Há épocas
em que os diplomatas arregaçam
as mangas e épocas em que se
apoiam em canapés e champanhe. Há épocas em que os religiosos estão com o diabo no corpo, os
empresários apóiam as piores
causas e os funcionários se burocratizam ainda mais. Há épocas
em que os professores ensinam
pensadores e há épocas em que fazem o que mandam pelo que recebem. Há épocas de duras provas e épocas em que qualquer imbecil passa de ano. Há épocas em
que um ano dura um segundo e
épocas em que dura um século.
Há épocas em que nossos
amantes nos traem, que os trens
descarrilam e que o ressentimento é a única memória que nos resta. Há épocas em que o passado
ilumina o futuro e épocas em que
é melhor não estar presente. Há
épocas em que os sobrenomes não
adiantam. Há épocas em que fazem diferença. Há épocas em que
o interesse cresce mais do que o
desejo e o despejo mais do que o
aluguel. Há épocas de desordem e
atraso. Há épocas em que com
pouco dinheiro se conhece o mundo e épocas em que os habitantes
deste planeta esmolam trocados.
Há épocas em que as necessidades são procuradas. Não há registro de que sejam satisfeitas, mas
há épocas mais felizes que outras.
Há épocas de esplendor e de decadência, de idiotice assumida e de
assumida consciência. Há épocas
em que as obras são mal cheirosas, em que os tapetes ficam inchados de evidências. Há épocas
em que as vilezas são reveladas e
épocas em que fazemos questão
de ungir canalhas. Pois há épocas
em que os linchadores opinam
nos destinos nacionais e épocas
em que são postos na cadeia. Assim tem sido, mais ou menos...
Há épocas em que as intenções
são melhores, os investimentos
são maciços e os resultados são
mesquinhos.
Há épocas em que se tira proveito do inferno.
Há épocas em que as vacas são
magras, os ratos são raros e os tumores são benignos. Há épocas
em que concordar num assunto já
é suficiente, mas há épocas em
que tudo aparece pouco. Há épocas de guerra, de gozar na cama,
de arar a terra, de cair na lama.
Há épocas que têm alma e épocas
que são malas. Há épocas de incerteza e épocas de vontade. Há
épocas de desprezo e épocas de esperança. Há épocas em que descobrimos as palavras e épocas em
que, por gestos simples de entender, as evitamos.
Há épocas que são racionais e
épocas que dão dor de cabeça. Há
épocas em que pensamos com outra cabeça e épocas em que as temos erguidas. Porque há épocas
em que estamos verdadeiramente
preocupados e épocas em que
queremos mais é que se...
Há épocas em que um terço parte, um terço fica e um terço morre.
Há épocas em que se reza mais
que outras. Há épocas em que
Deus some e épocas em que Deus
ajuda. Há épocas em que todos
juram qualquer coisa que os faça
perseguir qualquer um. Há épocas que estamos contentes conosco. Há épocas em que os telefones
nos aproximam e outras em que
nos oprimem com seus toques. Há
épocas em que as penas são leves e
as contas impagáveis. Há épocas
em que fazemos questão de saber
o que acontece e épocas em que
nos escondemos atrás de sete mil
portas fechadas a quarenta e nove mil chaves.
Há sempre uma escolha.
Há épocas que são épicas e épocas que são poucas.
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