São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

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Solanas nas nuvens


Fernando Solanas recebe hoje homenagem no Festival de Berlim

Cineasta argentino diz não crer em boa fase do cinema de seu país



BRUNO GHETTI
DA REDAÇÃO

Pela primeira vez em sua história, o Festival de Berlim escolheu um latino-americano para premiar com um Urso de Ouro especial pelo conjunto da obra. O contemplado é o cineasta argentino Fernando Solanas, famoso por seus filmes politicamente engajados, como "La Hora de los Hornos" (1968, co-dirigido por Octavio Getino), "Tangos - Exílio de Gardel" (1985), "Sur - Amor e Liberdade" (1988), pelo qual foi eleito o melhor diretor do Festival de Cannes, e "A Nuvem" (1998).
Solanas, 67, falou à Folha por telefone de Buenos Aires, pouco antes de embarcar para a Europa. Ele diz que a homenagem em Berlim foi inesperada porque o prêmio honorário, geralmente, é entregue a atores -ainda assim, americanos ou europeus.
O cineasta não parece muito convencido de que a cinematografia argentina esteja em ascensão, ainda que filmes recentes como "Plata Quemada" (2000) e "O Filho da Noiva" (2001) tenham obtido êxito internacional. "O cinema argentino é variado, rico, com filmes bons e ruins. Mas não é correto dizer que passa por uma boa fase", afirma.
Comentário semelhante ele faz a respeito da atual produção cinematográfica brasileira. "Acontece no Brasil como aqui na Argentina: há filmes muito bons, filmes regulares e filmes péssimos", diz, incluindo entre os "muito bons" os trabalhos de Eduardo Coutinho, Luiz Fernando Carvalho e Walter Salles. Sobre o último, diz: "Acho ele um excelente diretor. Não vi o seu filme sobre Che Guevara ["Diários de Motocicleta'], mas ele tem obras fenomenais".
Solanas também elogia "Cidade de Deus", embora ache que as indicações do filme para o Oscar não tenham muito valor. "É um grande filme, de enorme força de público, com excelente direção. Mas não é nem melhor nem pior por ter recebido indicações para o Oscar. Assim como não serei melhor nem pior porque Berlim premia minha trajetória", compara.
"Na verdade, as premiações do Oscar me parecem lamentáveis. Acho que devemos deixar de olhar para fora e aproveitar os prêmios no exterior para potencializar nossa cinematografia. Seria interessante que alguma vez nós, do Mercosul, da América Latina, fizéssemos um nosso Oscar, nosso grande festival."
Além de receber seu Urso de Ouro, Solanas vai a Berlim apresentar seu mais novo trabalho, o documentário intitulado "Memoria del Saqueo" (Memória do Saque), filme em que aborda a crise econômica e política argentina durante o governo De La Rúa (99-2001). "É um documentário de duas horas que, de certa maneira, dá continuidade a meu primeiro filme ["La Hora de los Hornos'], seguindo a mesma linha de "filme-ensaio". É uma obra muito forte, que fala de 30 anos de esvaziamento econômico da Argentina, que chegou ao ápice com De La Rúa. Os organizadores do festival insistiram que a apresentasse."
Como não podia deixar de ser, Solanas falou de política e aproveitou para elogiar o atual presidente argentino Néstor Kirchner, "apesar de o modelo econômico da Argentina permanecer o mesmo". O cineasta, que esteve presente no Fórum Social Mundial de Porto Alegre de 2003, também comentou o governo Lula. "Acho que [Lula] tem tido iniciativas internacionais muito boas, como a aproximação entre Brasil e nações como Índia, China, África do Sul e Argentina, constituindo um intercâmbio entre esses países. Isso é importante para que façam frente e digam ao Norte que não continue nos roubando."

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