São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007

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Auster aprisiona culpa entre paredes

Em entrevista à Folha, escritor fala de novo romance, em que um homem idoso luta para lembrar o que fez de errado no passado

"Viagens no Scriptorium" foi lançado em vários países no último dia 3 de fevereiro, aniversário de 60 anos do autor norte-americano


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um velho fechado entre quatro paredes. Não sabe onde está. Não sabe quem é. Mas desconfia de que tenha feito algo muito errado no passado.
"Viagens no Scriptorium", novo romance de Paul Auster, sonda as lembranças e a confusão mental de um homem que, a mando de uma grande organização não-identificada, teria causado ao longo de sua vida o sofrimento de várias pessoas.
Preso, não se sabe por quem nem sob qual acusação, ele agora recebe visitas misteriosas de pessoas ligadas a seu passado.
Lançado simultaneamente em vários países no último dia 3 de fevereiro, aniversário de 60 anos do autor, o livro não tem entusiasmado a crítica de língua inglesa.
De fato, as ágeis e diretas 124 páginas do romance não fazem jus aos títulos que fizeram de Auster um dos mais importantes escritores norte-americanos vivos -como "A Trilogia de Nova York" ou "Leviatã".
Por outro lado, o livro complementa (e dialoga com) sua obra pregressa, com personagens de outras novelas entrando e saindo do quarto onde o homem está confinado e metáforas sombrias sobre os EUA em diálogos ligeiros.
Leia os principais trechos da entrevista que Auster, que estréia seu quarto longa nos EUA em março, concedeu à Folha, por telefone.

 

FOLHA - O quarto onde o protagonista do romance, Blank, passa todo o tempo fica nos EUA?
PAUL AUSTER -
Não podemos ter certeza. Blank sabe que vem da América, mas não está seguro de que está realmente na América. A hipótese de que ele possa ter sido abduzido, levado para outro lugar do planeta, gera a confusão e a ansiedade a partir da qual ele reflete sobre o seu passado e sobre o conteúdo dos relatos e manuscritos que lê. Essa tensão é mais importante que o fato de ele estar mesmo ou não nos EUA.

FOLHA - Por que as pessoas que visitam Blank nesse aposento são personagens de outros livros seus?
AUSTER -
Queria que "Viagens no Scriptorium" tivesse dois tipos de leitura. É possível ler o romance sem saber que esses personagens já habitaram outras histórias minhas. Se lido desse jeito, a essência do livro é apenas Blank e o modo como vê sua culpa surgir do meio da confusão mental em que se encontra. É um homem lutando contra a própria memória. Mas, se for levado em conta que esses personagens já existiram em outras situações, um outro significado, que depende do leitor, pode ser montado, e esse investiga a minha relação com minhas criaturas. Você não precisa saber o que aconteceu nos outros livros para ler este. Mas quem souber certamente vai perceber uma outra dimensão da história.

FOLHA - Você pensou em George W. Bush quando criou Blank? Um homem que faz parte de algum alto escalão de governo e que mandou pessoas para "missões" perigosas, causando sofrimento e mortes?
AUSTER -
(Risos...) A idéia até poderia ser aplicada. Mas não, não pensei. Até porque Blank não comanda um país. Só o que sabemos é que trabalha para uma grande organização ou governo que manda pessoas para missões que podem ser fatais.

FOLHA - O fato de tudo se passar num lugar pequeno, assim como os formatos de diálogo, sugere uma inspiração teatral. Você concorda?
AUSTER -
Sim. O romance é um pouco teatral por ser minimalista. Mas, ao mesmo tempo, não é teatro, porque boa parte dele está se passando dentro da história que Blank está lendo. O objetivo dessa interpenetração é dialogar com a idéia de que nossa vida é cheia de histórias e o modo como as interpretamos ou pensamos nelas afeta a maneira como vivemos.

FOLHA - Como surgiu a idéia de "The Inner Life of Martin Frost"?
AUSTER -
Esse filme já tinha aparecido dentro do enredo de "Livro das Ilusões". Mas, na época, eu não pensei realizá-lo de verdade. Muito tempo depois de o livro ser lançado, entretanto, a idéia continuou me incomodando. E eu fiquei com muita vontade de desenvolvê-la. Escrevi o roteiro e me pus a organizar o resto. É uma produção de orçamento baixo e foi rodada muito rápido.

FOLHA - Na última Festa Literária de Parati (Flip), o paquistanês Tariq Ali organizou um abaixo-assinado contra Bush. Alguns autores protestaram quanto à pertinência de pôr a literatura a serviço da política de modo tão banal. O que acha disso?
AUSTER -
A literatura vai morrer se passar a ser apenas um meio para discutir a política. Fazer literatura significa explorar não só a sociedade mas os indivíduos, as pessoas comuns que nela vivem. De outra forma, ela se transforma em propaganda de um determinado grupo. Não é mais literatura.


VIAGENS NO SCRIPTORIUM
Autor:
Paul Auster
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (124 págs.)




LEIA TRECHO DE "VIAGENS NO SCRIPTORIUM" NA FOLHA ONLINE


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