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Auster aprisiona culpa entre paredes
Em entrevista à Folha, escritor fala de novo romance, em que um homem idoso luta para lembrar o que fez de errado no passado
"Viagens no Scriptorium" foi lançado em vários países no último dia 3 de fevereiro, aniversário de 60 anos do autor norte-americano
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um velho fechado entre quatro paredes. Não sabe onde está. Não sabe quem é. Mas desconfia de que tenha feito algo
muito errado no passado.
"Viagens no Scriptorium",
novo romance de Paul Auster,
sonda as lembranças e a confusão mental de um homem que,
a mando de uma grande organização não-identificada, teria
causado ao longo de sua vida o
sofrimento de várias pessoas.
Preso, não se sabe por quem
nem sob qual acusação, ele agora recebe visitas misteriosas de
pessoas ligadas a seu passado.
Lançado simultaneamente
em vários países no último dia
3 de fevereiro, aniversário de
60 anos do autor, o livro não
tem entusiasmado a crítica de
língua inglesa.
De fato, as ágeis e diretas 124
páginas do romance não fazem
jus aos títulos que fizeram de
Auster um dos mais importantes escritores norte-americanos vivos -como "A Trilogia de
Nova York" ou "Leviatã".
Por outro lado, o livro complementa (e dialoga com) sua
obra pregressa, com personagens de outras novelas entrando e saindo do quarto onde o
homem está confinado e metáforas sombrias sobre os EUA
em diálogos ligeiros.
Leia os principais trechos da
entrevista que Auster, que estréia seu quarto longa nos EUA
em março, concedeu à Folha,
por telefone.
FOLHA - O quarto onde o protagonista do romance, Blank, passa todo
o tempo fica nos EUA?
PAUL AUSTER - Não podemos ter
certeza. Blank sabe que vem da
América, mas não está seguro
de que está realmente na América. A hipótese de que ele possa ter sido abduzido, levado para outro lugar do planeta, gera a
confusão e a ansiedade a partir
da qual ele reflete sobre o seu
passado e sobre o conteúdo dos
relatos e manuscritos que lê.
Essa tensão é mais importante
que o fato de ele estar mesmo
ou não nos EUA.
FOLHA - Por que as pessoas que visitam Blank nesse aposento são personagens de outros livros seus?
AUSTER - Queria que "Viagens
no Scriptorium" tivesse dois tipos de leitura. É possível ler o
romance sem saber que esses
personagens já habitaram outras histórias minhas. Se lido
desse jeito, a essência do livro é
apenas Blank e o modo como vê
sua culpa surgir do meio da
confusão mental em que se encontra. É um homem lutando
contra a própria memória.
Mas, se for levado em conta
que esses personagens já existiram em outras situações, um
outro significado, que depende
do leitor, pode ser montado, e
esse investiga a minha relação
com minhas criaturas. Você
não precisa saber o que aconteceu nos outros livros para ler
este. Mas quem souber certamente vai perceber uma outra
dimensão da história.
FOLHA - Você pensou em George
W. Bush quando criou Blank? Um
homem que faz parte de algum alto
escalão de governo e que mandou
pessoas para "missões" perigosas,
causando sofrimento e mortes?
AUSTER - (Risos...) A idéia até
poderia ser aplicada. Mas não,
não pensei. Até porque Blank
não comanda um país. Só o que
sabemos é que trabalha para
uma grande organização ou governo que manda pessoas para
missões que podem ser fatais.
FOLHA - O fato de tudo se passar
num lugar pequeno, assim como os
formatos de diálogo, sugere uma
inspiração teatral. Você concorda?
AUSTER - Sim. O romance é um
pouco teatral por ser minimalista. Mas, ao mesmo tempo,
não é teatro, porque boa parte
dele está se passando dentro da
história que Blank está lendo.
O objetivo dessa interpenetração é dialogar com a idéia de
que nossa vida é cheia de histórias e o modo como as interpretamos ou pensamos nelas afeta
a maneira como vivemos.
FOLHA - Como surgiu a idéia de
"The Inner Life of Martin Frost"?
AUSTER - Esse filme já tinha
aparecido dentro do enredo de
"Livro das Ilusões". Mas, na
época, eu não pensei realizá-lo
de verdade. Muito tempo depois de o livro ser lançado, entretanto, a idéia continuou me
incomodando. E eu fiquei com
muita vontade de desenvolvê-la. Escrevi o roteiro e me pus a
organizar o resto. É uma produção de orçamento baixo e foi
rodada muito rápido.
FOLHA - Na última Festa Literária
de Parati (Flip), o paquistanês Tariq
Ali organizou um abaixo-assinado
contra Bush. Alguns autores protestaram quanto à pertinência de pôr a
literatura a serviço da política de
modo tão banal. O que acha disso?
AUSTER - A literatura vai morrer se passar a ser apenas um
meio para discutir a política.
Fazer literatura significa explorar não só a sociedade mas os
indivíduos, as pessoas comuns
que nela vivem. De outra forma, ela se transforma em propaganda de um determinado
grupo. Não é mais literatura.
VIAGENS NO SCRIPTORIUM
Autor: Paul Auster
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (124 págs.)
LEIA TRECHO DE "VIAGENS NO SCRIPTORIUM" NA FOLHA ONLINE
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