São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Paula Huven/Folha Imagem
Leonardo Medeiros descansa no set de "Budapeste"


Budapeste carioca

Com protagonista dormindo no chão, "Santoro holandês" careca e visita de Paulo José, Walter Carvalho filma livro de Chico Buarque

Sentado em uma mesa de reuniões cenográfica, com o roteiro e dois exemplares de "Budapeste", de Chico Buarque de Hollanda, cheios de "post-its", o paraibano Walter Carvalho pensa nas cenas que fará depois do almoço e na idéia de colocar um ator sentado sobre o tampo do móvel. "Quero que ele fique como se estivesse montando um cavalo. Coisa de americano, bem subdesenvolvido, sabe?", diz. Fotógrafo mais respeitado do cinema brasileiro, com filmes como "Central do Brasil" e "Abril Despedaçado", ele dirige pela primeira vez um longa de ficção. Tem a missão de levar para a tela o premiado livro do compositor, vencedor do Jabuti em 2004. Monique Gardenberg, que dirigiu "Benjamim", outra adaptação de um romance de Chico, já declarou que "Budapeste" era "infilmável".

 

"A obra é complexa, porque a escrita é quase um personagem do livro. Então será um filme sobre a palavra. Mas se eu tivesse medo, não estaria fazendo", diz Walter, escolhido para a direção do projeto por causa de seu trabalho como fotógrafo. "Comentei com o Chico que queria alguém que tratasse a linguagem cinematográfica com frescor, que criasse planos e enquadramentos diferentes e fizesse poesia no cinema. Ele assistiu a algumas coisas do Walter e disse: "É isso!'", conta a produtora Rita Buzzar, também autora do roteiro.
 

No "filme sobre a palavra", o protagonista, Leonardo Medeiros, interpreta o ghost-writer José Costa, cuja vida acaba se dividindo entre o Rio e Budapeste. No intervalo entre as tomadas, dorme num sofá do set. Carvalho o define como "ghost-actor". "Ele é o não-ator, porque é um ator que pensa, e não só interpreta", diz o diretor, que já havia trabalhado com Leonardo em "Lavoura Arcaica" e "O Veneno da Madrugada". Para Selton Mello, que interpretou o irmão de Medeiros em "Lavoura" e o viu ser premiado no Festival de Brasília de 2001, ele é um dos grandes atores do Brasil.
 

"Temos Wagner Moura, Lázaro Ramos e o próprio Selton. O Léo está nessa categoria", diz Walter Carvalho. E por que não é reconhecido como os demais? "A fama é um equívoco que as pessoas têm sobre você", responde o diretor, citando uma frase cuja autoria não se recorda. O ator é mais pragmático: "Falta novela. É por isso que vou fazer a próxima das oito da Globo ["Juízo Final']. Fiz uma análise com a minha agente e vimos que agora é um bom momento para eu me tornar conhecido do grande público".
 

A produção do filme alugou por três dias a sede de um escritório de advocacia, em um prédio no centro do Rio, para transformar na "Agência Cultural Cunha & Costa", onde trabalha o protagonista. Após o almoço, Leonardo deita embaixo de uma mesa, na sala transformada em camarim, e dorme no chão. "Ninguém entende que eu acordei às 5h30. Querem que a gente fique bem até às 18h, mas de que jeito?", diz. Co-produção entre Brasil, Portugal e Hungria orçada em R$ 5,5 milhões, "Budapeste" tem dois terços das falas em húngaro, idioma que o ator tenta aprender -ou melhor, decorar. "Precisaria de três anos para falar e eu só tinha três meses. Então tenho que decorar as falas, palavra por palavra, sílaba por sílaba", diz. O holandês Antonie Kamerling teve desafio semelhante. Galã de novelas e cantor pop de sucesso em seu país, ele só fala português na tela. "Parra mim, foi como visáu (visão). Uma visáu do paradiso. Parraísso", recita ele na frente de um espelho. No camarim, se submeteu a outro sacrifício: teve a cabeça totalmente raspada.
 

"Eu disse que a calvície do personagem acontecia por causa de um amor. Aí ele topou", conta Rita Buzzar, que bancou a vinda do holandês ao país. Tê-lo no elenco, diz ela, é importante para a carreira internacional do filme. "Ele é o Rodrigo Santoro na Holanda e na Alemanha. Vai nos abrir esses mercados."
 

Após a terceira cena do dia, Paulo José chega ao prédio. Ele fará uma ponta no filme, como um escrivão. A figurinista Kika Lopes, mulher do ator, o recebe no camarim e lhe veste uma camisa. Ele abotoa a gola, ela solta: "Você está no Rio, não em Budapeste." "Mas eu decorei minhas falas em húngaro." Brinca também com uma lupa e comenta o tamanho do terno: "O defunto era maior, não?". "Quero declarar perante toda a equipe que eu não vou dirigir Paulo José, porque não me sinto preparado. Farei pedidos a ele", diz Walter Carvalho.
 

Numa pausa entre as tomadas, Paulo toma um comprimido. Depois, bebe guaraná e come biscoito de morango. "O [mal de] Parkinson me traz problemas de deglutição", diz. Em novembro, ele fez uma cirurgia para colocação de eletrodos neuroestimulantes no cérebro e, um mês depois, teve uma pneumonia que "quase me leva". "Mas não consigo deixar de trabalhar. É até perigoso, porque tenho cometido certos excessos, considerando que estou com 70 anos", diz, enquanto desenha um rosto e sua idade em um papel. "Viajo muito e, quando pego avião, passo mal o dia inteiro depois". As filmagens de "Budapeste" no Rio terminaram na última segunda. Chico Buarque deve visitar o set na capital húngara, para onde a equipe viaja hoje. "Ele vai fazer uma participação como ator", adianta Walter Carvalho. "Pensando bem, melhor não falar isso. Vai que eu acabe tirando a cena dele na montagem..."

DIÓGENES CAMPANHA (reportagem)

Texto Anterior: Trilha chegou ao topo da parada dos EUA
Próximo Texto: "Indicação ao Oscar foi um choque"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.