São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2000 |
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Ser ou não ser?
LÚCIO RIBEIRO Editor-adjunto da Ilustrada Um cometa inabalável a se chocar com a Academia na hora em que o Oscar de melhor atriz for entregue, Hilary Swank é a menina que gostava de menina que gostava de menino em "Meninos Não Choram" ("Boys Don't Cry"), grande estréia desta época de grandes estréias que se instala nos cinemas do país. Para quem tinha como maior feito a participação no quarto filme da série "Karatê Kid", Swank e sua impressionante interpretação têm tudo para deixar as senhoras Meryl Streep e Annette Bening sentadinhas a noite inteira na cerimônia do dia 26. Oferecendo equilíbrio veterano e sensibilidade honesta a um papel dos mais exigentes, Hilary Swank atropela todos os estereótipos na pele da jovem garota que queria ser homem, o papo que move "Meninos Não Choram". O filme baseia sua história em tragédia real que marcou a pequena cidade de Falls City, Nebraska, em 1993. Brandon Teena é o nome do novo garoto que chega ao lugarejo e logo se torna popular em meio à rapaziada algo barra-pesada do pedaço. Enturmado, ele sai com os outros meninos para encher a cara, não foge de brigas quando está numa, participa de surfe em caminhonete e outras azarações locais. Coisas para homens, pelo menos em um Estado como o de Nebraska. Brandon logo chama a atenção da bela loira Lana, que vê nele carinho e sensibilidade nunca encontrados nos outros meninos de Falls City. Respeitado pelos amigos e namorando a belezura da cidade, a vida não poderia ser mais doce para Brandon. A não ser por um detalhe que Brandon Teena esqueceu de contar para os locais. Brandon Teena na verdade é Teena Brandon. Ele é ela. É difícil ir ao cinema para ver "Meninos Não Choram" sem saber/perceber que o filme vai descambar para coisas como traição, humilhação, estupro, morte. Mas quase ninguém vai preparado para o sufocante exercício de observar como as coisas acontecem, de como a história é contada. "Meninos Não Choram" é conduzido, pela diretora Kimberly Pierce, não como um tratado de sociologia, de psicanálise. Em uma entusiasmante estréia na direção de longas, com um projeto que a todo momento estava a um passo de ser tragado por um bueiro de clichês, deu ao filme um jeitão de um "Romeu e Julieta" incidental, localizado não na velha Verona, mas na atual cidadezinha-qualquer-do-interior-americano dos dias de hoje. Ver Brandon Teena, ou Teena Brandon, que seja, não é ver um travesti, uma lésbica, uma aberração ou uma pessoa com terríveis desvios de identidade que mereçam ser estudados pela ciência. Teena Brandon, mostra "Meninos Não Choram", apenas acordou um dia preferindo ter nascido homem. E foi ser. Afinal, garotas apenas querem se divertir. "Garotos Não Choram" já valeria só pela assombrosa performance da não mais obscura Hilary Swank. Mas o filme tem graça, ainda, pelas outras atuações de novas expressões. Peter Sarsgaard sobra como o difícil John Lotter (o verdadeiro Lotter se encontra, hoje, no corredor da morte). Brendan Sexton III é eficiente como o sádico cúmplice de Lotter, Tom Nissen (este, o real, vive prisão perpétua). E tem a ótima Chloe Sevigny, que já atuou em "Kids" e vai ao Oscar concorrer como melhor atriz coadjuvante por esta encarnação da namorada de Teena Brandon, Lana Tisdel, que sucumbiu aos encantos do garoto/ garota porque, segundo ela, nunca havia encontrado em outros rapazes sensação parecida à de quando era beijada por (Teena) Brandon (Teena). Avaliação: Filme: Meninos Não Choram (Boys Don't Cry) Produção: EUA, 1999, 114 min Direção: Kimberly Pierce Com: Hilary Swank, Chloe Sevigny, Peter Sarsgaard, Brendan Sexton III Quando: a partir de hoje, Jardim Sul 7, Lumière 2 e circuito Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Para atriz, produção é bandeira contra intolerância Índice |
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