São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2000


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Para atriz, produção é bandeira contra intolerância

CLÁUDIO CASTILHO
especial para a Folha em Los Angeles

Por pouco, a história de Hilary Swank não repete a de milhares de outras atrizes que lutam na obscuridade anos a fio sem atingir o tão sonhado sucesso e reconhecimento em Hollywood.
A diferença é que, depois de dez anos de trabalho, Swank, 25, finalmente teve a oportunidade de interpretar um personagem que transformou para sempre sua carreira e está fazendo seu nome conhecido mundialmente.
Não é à toa que ela está entre as cinco indicadas ao Oscar na categoria de melhor atriz este ano, competindo com nomes femininos como Meryl Streep e Annette Bening. E, depois de arrebatar o Globo de Ouro na categoria, Swank é a mais cotada para levar o prêmio para casa.
Hilary Swank contou à Folha como foi chegar à pele de Brandon Teena em um filme que, para ela, deve servir de alerta ao mundo contra a intolerância, não somente com transexuais, mas também com todos os seres humanos de diferentes raças e religiões e orientação sexual.
Para ser Brandon Teena no impressionante "Meninos Não Choram", a atriz teve de deixar sua própria personalidade de lado. Extremamente feminina, ela é, fora da grande tela, o que pode ser chamado de o avesso de Teena. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Ao vê-la em "Meninos Não Choram" é difícil acreditar que quem vive o papel de Brandon Teena é uma mulher.
Hilary Swank -
Eu vejo isso como um grande elogio. Quando li o roteiro pela primeira vez, confesso que tive medo de não conseguir trazer ao filme a honestidade que a história de Brandon Teena merece. Meu temor era de estragar, com minha performance, uma história tão importante, que todo o mundo deveria conhecer.

Folha - Como foi se transformar em Brandon Teena?
Swank -
Tive de passar por duas transformações: a física e a emocional. A mudança física maior para mim foi cortar meu cabelo. Fui com Kimberly ao popular barbeiro do East Village, em Manhattan, o Astor Place. Foi uma dificuldade convencê-los a raspar minha cabeça. E um choque para mim depois, ao me ver no espelho. A idéia era eu me transformar, em vez de deixar que o filme me transformasse.

Folha - A mudança na voz fez parte desse processo?
Swank -
Não tínhamos dinheiro no orçamento do filme para pagar um especialista em voz. Eu também não tinha como bancar essa despesa. A solução foi recorrer a meu primo Billy, que mora em Iowa. Ele tem um sotaque bem parecido ao das pessoas de Nebraska, onde morava Teena, já que são Estados vizinhos.
Passamos horas conversando ao telefone e checando as diferentes pronúncias de muitas palavras. Além disso, nós conseguimos fitas gravadas com a voz de Brandon Teena, de quando ela prestou depoimento à polícia.

Folha - E como foi se tornar parecida com um adolescente?
Swank -
Olhei no espelho durante muito tempo para descobrir o que havia de masculino na minha aparência. E percebi que meu queixo era grande e que, perdendo peso, os ossos, tanto do rosto quanto de meu corpo, ficariam mais expostos, dando uma aparência mais masculina ao meu visual. A musculação me ajudou a modificar o meu modo de andar.

Folha - Você ensaiou para ser Brandon Teena antes de filmar?
Swank -
Primeiro eu tive de enfaixar meus seios, o que foi uma experiência bastante dolorosa. Praticamente tive de reaprender a respirar novamente.
Escolhi roupas de garoto e passei quatro semanas de minha vida, 24 horas por dia, vivendo como se fosse homem. Nas ruas eu me apresentava aos vizinhos como James, o irmão de Hilary Swank. E as pessoas acreditaram.

Folha - Foi aí que descobriu a personagem em você?
Swank -
Não. Foi o meu contato com pessoas totalmente estranhas que me levou a Brandon de verdade. As pessoas reagiam muito estranhamente à minha presença. Quando elas não conseguiam identificar quem eu era, o meu sexo, elas imediatamente me rejeitavam.
Foi quando eu pude sentir a necessidade de Brandon Teena de ser aceita, o sentimento de rejeição que a isolava do mundo que a cercava, a necessidade de amor e compreensão que era uma constante em sua vida. Foi a transformação emocional de que eu precisava para entender a fundo meu personagem. Senti na pele o sentimento de isolamento experimentado por Teena.

Folha - Qual é sua maior expectativa em relação ao filme?
Swank -
Muita gente comenta a possibilidade de eu vir a ganhar o Oscar. Seria uma coisa maravilhosa, sem dúvida. Mas o que mais espero de "Meninos Não Choram" é que ele possa ajudar a começarmos a pôr um fim na intolerância que existe no mundo. Não somente contra gays, ou transexuais, mas contra todos os seres humanos.


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