|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para atriz, produção é bandeira contra intolerância
CLÁUDIO CASTILHO
especial para a Folha em Los Angeles
Por pouco, a história de Hilary
Swank não repete a de milhares
de outras atrizes que lutam na
obscuridade anos a fio sem atingir o tão sonhado sucesso e reconhecimento em Hollywood.
A diferença é que, depois de dez
anos de trabalho, Swank, 25, finalmente teve a oportunidade de
interpretar um personagem que
transformou para sempre sua
carreira e está fazendo seu nome
conhecido mundialmente.
Não é à toa que ela está entre as
cinco indicadas ao Oscar na categoria de melhor atriz este ano,
competindo com nomes femininos como Meryl Streep e Annette
Bening. E, depois de arrebatar o
Globo de Ouro na categoria,
Swank é a mais cotada para levar
o prêmio para casa.
Hilary Swank contou à Folha
como foi chegar à pele de Brandon Teena em um filme que, para
ela, deve servir de alerta ao mundo contra a intolerância, não somente com transexuais, mas
também com todos os seres humanos de diferentes raças e religiões e orientação sexual.
Para ser Brandon Teena no impressionante "Meninos Não Choram", a atriz teve de deixar sua
própria personalidade de lado.
Extremamente feminina, ela é,
fora da grande tela, o que pode
ser chamado de o avesso de Teena. A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - Ao vê-la em "Meninos
Não Choram" é difícil acreditar
que quem vive o papel de Brandon Teena é uma mulher.
Hilary Swank - Eu vejo isso como um grande elogio. Quando li o
roteiro pela primeira vez, confesso que tive medo de não conseguir trazer ao filme a honestidade
que a história de Brandon Teena
merece. Meu temor era de estragar, com minha performance,
uma história tão importante, que
todo o mundo deveria conhecer.
Folha - Como foi se transformar em Brandon Teena?
Swank - Tive de passar por duas
transformações: a física e a emocional. A mudança física maior
para mim foi cortar meu cabelo.
Fui com Kimberly ao popular
barbeiro do East Village, em Manhattan, o Astor Place. Foi uma
dificuldade convencê-los a raspar
minha cabeça. E um choque para
mim depois, ao me ver no espelho. A idéia era eu me transformar, em vez de deixar que o filme
me transformasse.
Folha - A mudança na voz fez
parte desse processo?
Swank - Não tínhamos dinheiro
no orçamento do filme para pagar
um especialista em voz. Eu também não tinha como bancar essa
despesa. A solução foi recorrer a
meu primo Billy, que mora em Iowa. Ele tem um sotaque bem parecido ao das pessoas de Nebraska, onde morava Teena, já que são
Estados vizinhos.
Passamos horas conversando
ao telefone e checando as diferentes pronúncias de muitas palavras. Além disso, nós conseguimos fitas gravadas com a voz de
Brandon Teena, de quando ela
prestou depoimento à polícia.
Folha - E como foi se tornar
parecida com um adolescente?
Swank - Olhei no espelho durante muito tempo para descobrir
o que havia de masculino na minha aparência. E percebi que meu
queixo era grande e que, perdendo peso, os ossos, tanto do rosto
quanto de meu corpo, ficariam
mais expostos, dando uma aparência mais masculina ao meu visual. A musculação me ajudou a
modificar o meu modo de andar.
Folha - Você ensaiou para ser
Brandon Teena antes de filmar?
Swank - Primeiro eu tive de enfaixar meus seios, o que foi uma
experiência bastante dolorosa.
Praticamente tive de reaprender a
respirar novamente.
Escolhi roupas de garoto e passei quatro semanas de minha vida, 24 horas por dia, vivendo como se fosse homem. Nas ruas eu
me apresentava aos vizinhos como James, o irmão de Hilary
Swank. E as pessoas acreditaram.
Folha - Foi aí que descobriu a
personagem em você?
Swank - Não. Foi o meu contato
com pessoas totalmente estranhas que me levou a Brandon de
verdade. As pessoas reagiam muito estranhamente à minha presença. Quando elas não conseguiam identificar quem eu era, o
meu sexo, elas imediatamente me
rejeitavam.
Foi quando eu pude sentir a necessidade de Brandon Teena de
ser aceita, o sentimento de rejeição que a isolava do mundo que a
cercava, a necessidade de amor e
compreensão que era uma constante em sua vida. Foi a transformação emocional de que eu precisava para entender a fundo meu
personagem. Senti na pele o sentimento de isolamento experimentado por Teena.
Folha - Qual é sua maior expectativa em relação ao filme?
Swank - Muita gente comenta a
possibilidade de eu vir a ganhar o
Oscar. Seria uma coisa maravilhosa, sem dúvida. Mas o que
mais espero de "Meninos Não
Choram" é que ele possa ajudar a
começarmos a pôr um fim na intolerância que existe no mundo.
Não somente contra gays, ou
transexuais, mas contra todos os
seres humanos.
Texto Anterior: Ser ou não ser? Próximo Texto: Vida Bandida - Voltaire de Souza: Mínimo Índice
|