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RESENHA DA SEMANA
Piada de brasileiro
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
"Crônicas Efêmeras"
reúne os textos que Paulo Barreto (1881-1921), cronista
da chamada belle époque carioca mais conhecido como João
do Rio, publicou, em 1916, com
o pseudônimo Joe, na "Revista
da Semana".
São crônicas que estão bem
aquém do que de melhor escreveu João do Rio, mas, ainda assim, para além do valor de registro histórico dos costumes,
mostram que o princípio do sarcasmo e da auto-ironia foi um
dos melhores antídotos à mescla
de ufanismo e sentimento de inferioridade nacionais e talvez a
maior contribuição do espírito
carioca à inteligência brasileira.
A "Revista da Semana" era
uma publicação dirigida ao público feminino, às "senhoras e
moças da sociedade; as frequentadoras dos salões abertos para
o "five o'clock tea" e do Municipal", como diz a pesquisadora
Níobe Abreu Peixoto no prefácio da obra.
E, no entanto, essas crônicas
não podiam ser mais misóginas:
"Não acredites nunca no que te
disse a mulher. Se está a chover e
ela o diz, com certeza não está";
"As mulheres são os gênios do
improviso. Se assim não fosse,
não morreriam tantos homens
com a felicidade de julgá-las
fiéis...". O princípio aqui é o do
riso de si mesmo como forma de
auto-superação.
"Esta "Revista" não é política. É
um semanário da elegância, da
resenha fotográfica da semana,
um pouco a preocupação da expressão externa dos costumes
cariocas", definiu o cronista.
E não foi à toa que assinou essas crônicas como Joe, para fazer piada de brasileiro, para brasileiro, no Brasil. Porque a frivolidade, a futilidade e o provincianismo de uma sociedade que
tenta parodiar a vida parisiense
ou londrina sob os estertores do
calor tropical se manifestam e
são denunciados justamente na
caricatura e na ilusão de seu cosmopolitismo.
O cronista ironiza a "frívola-city", orgulhosa de ser a cidade
onde se falam mais línguas e
deslumbrada com a dita alta cultura e com tudo o que é estrangeiro, por meio do personagem
descaradamente mundano que
incorpora: "A melhor maneira
de ouvir um espetáculo lírico é
gozar o que ele tem de melhor:
os intervalos!".
O Carnaval surge, então, como
o que resta de verdade nesse
mundo, quando os disfarces, as
máscaras e as fantasias se expõem em praça pública: "Dá coragem para passarmos o resto
do ano resignados na hipocrisia
e na mistificação".
Nos necrológios e homenagens ao autor incluídos a título
de documentação no final de
"Crônicas Efêmeras", João do
Rio é saudado como um patriota. Seus textos, porém, dão um
sentido muito particular ao termo. É a percepção aguda do ridículo da sociedade brasileira
fascinada pelo que é estrangeiro
que permite ao cronista evitar o
que seria a reação mais fácil e
mais primária: um ufanismo desenfreado.
A ironia com que vê o que o
cerca é resultado de autoconsciência incompatível com a dos
povos crentes de suas pátrias e
nações. João do Rio não é patriota por defender, como cego,
o que vê, mas por levar os que o
lêem a ver-se e a rir do que são.
No Rio de 1916, não era incomum entre pessoas de sociedade rechearem seus diálogos com
"darling! Bon jour!" quando
queriam dizer bom-dia, "good
evening!" quando queriam dizer boa-noite ou "five o'clock"
quando queriam dizer chá das
cinco. E João do Rio fez dessas
falas uma comédia grotesca.
Da mesma forma, foi buscar
na cultura desclassificada das
ruas, no submundo e na noite
que aos homens de sociedade
podiam parecer grotescos, um
pouco da dignidade que não encontrava nas altas rodas: "Como
a preocupação única é a ópera
(...), vou como toda a gente ao
Municipal ouvir esses trabalhos.
Há de minha parte uma certa
prevenção quanto à vaidade dos
artistas líricos. Eu sou amigo dos
artistas de circo (...). Os palhaços
fazem o que eu nunca poderia
fazer; têm a candidez da alma
para obrigar crianças a rir. Não
olho nunca um aramista sem
pensar que, se ele perder a fórmula do equilíbrio, nunca mais
a encontrará e andará tanto no
arame quanto qualquer ministro de Estado. (...) Os artistas de
circo são dignos de respeito porque a fatalidade os acompanha".
Crônicas Efêmeras
Autor: Paulo Barreto (João do Rio)
Editoras: Oficina do Livro/ Editora
Giordano/Ateliê Editorial
Quanto: R$ 25 (208 págs.)
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