São Paulo, sábado, 10 de março de 2001

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RESENHA DA SEMANA
Piada de brasileiro

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

"Crônicas Efêmeras" reúne os textos que Paulo Barreto (1881-1921), cronista da chamada belle époque carioca mais conhecido como João do Rio, publicou, em 1916, com o pseudônimo Joe, na "Revista da Semana".
São crônicas que estão bem aquém do que de melhor escreveu João do Rio, mas, ainda assim, para além do valor de registro histórico dos costumes, mostram que o princípio do sarcasmo e da auto-ironia foi um dos melhores antídotos à mescla de ufanismo e sentimento de inferioridade nacionais e talvez a maior contribuição do espírito carioca à inteligência brasileira.
A "Revista da Semana" era uma publicação dirigida ao público feminino, às "senhoras e moças da sociedade; as frequentadoras dos salões abertos para o "five o'clock tea" e do Municipal", como diz a pesquisadora Níobe Abreu Peixoto no prefácio da obra.
E, no entanto, essas crônicas não podiam ser mais misóginas: "Não acredites nunca no que te disse a mulher. Se está a chover e ela o diz, com certeza não está"; "As mulheres são os gênios do improviso. Se assim não fosse, não morreriam tantos homens com a felicidade de julgá-las fiéis...". O princípio aqui é o do riso de si mesmo como forma de auto-superação.
"Esta "Revista" não é política. É um semanário da elegância, da resenha fotográfica da semana, um pouco a preocupação da expressão externa dos costumes cariocas", definiu o cronista.
E não foi à toa que assinou essas crônicas como Joe, para fazer piada de brasileiro, para brasileiro, no Brasil. Porque a frivolidade, a futilidade e o provincianismo de uma sociedade que tenta parodiar a vida parisiense ou londrina sob os estertores do calor tropical se manifestam e são denunciados justamente na caricatura e na ilusão de seu cosmopolitismo.
O cronista ironiza a "frívola-city", orgulhosa de ser a cidade onde se falam mais línguas e deslumbrada com a dita alta cultura e com tudo o que é estrangeiro, por meio do personagem descaradamente mundano que incorpora: "A melhor maneira de ouvir um espetáculo lírico é gozar o que ele tem de melhor: os intervalos!".
O Carnaval surge, então, como o que resta de verdade nesse mundo, quando os disfarces, as máscaras e as fantasias se expõem em praça pública: "Dá coragem para passarmos o resto do ano resignados na hipocrisia e na mistificação".
Nos necrológios e homenagens ao autor incluídos a título de documentação no final de "Crônicas Efêmeras", João do Rio é saudado como um patriota. Seus textos, porém, dão um sentido muito particular ao termo. É a percepção aguda do ridículo da sociedade brasileira fascinada pelo que é estrangeiro que permite ao cronista evitar o que seria a reação mais fácil e mais primária: um ufanismo desenfreado.
A ironia com que vê o que o cerca é resultado de autoconsciência incompatível com a dos povos crentes de suas pátrias e nações. João do Rio não é patriota por defender, como cego, o que vê, mas por levar os que o lêem a ver-se e a rir do que são.
No Rio de 1916, não era incomum entre pessoas de sociedade rechearem seus diálogos com "darling! Bon jour!" quando queriam dizer bom-dia, "good evening!" quando queriam dizer boa-noite ou "five o'clock" quando queriam dizer chá das cinco. E João do Rio fez dessas falas uma comédia grotesca.
Da mesma forma, foi buscar na cultura desclassificada das ruas, no submundo e na noite que aos homens de sociedade podiam parecer grotescos, um pouco da dignidade que não encontrava nas altas rodas: "Como a preocupação única é a ópera (...), vou como toda a gente ao Municipal ouvir esses trabalhos. Há de minha parte uma certa prevenção quanto à vaidade dos artistas líricos. Eu sou amigo dos artistas de circo (...). Os palhaços fazem o que eu nunca poderia fazer; têm a candidez da alma para obrigar crianças a rir. Não olho nunca um aramista sem pensar que, se ele perder a fórmula do equilíbrio, nunca mais a encontrará e andará tanto no arame quanto qualquer ministro de Estado. (...) Os artistas de circo são dignos de respeito porque a fatalidade os acompanha".



Crônicas Efêmeras
   
Autor: Paulo Barreto (João do Rio)
Editoras: Oficina do Livro/ Editora Giordano/Ateliê Editorial
Quanto: R$ 25 (208 págs.)




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