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DRAUZIO VARELLA
Para parar de fumar
Infernizar a vida do fumante é mau método para fazê-lo deixar de fumar. Ele é o primeiro a reconhecer os malefícios
do fumo, só não larga porque não
consegue: a nicotina provoca a
dependência química mais feroz
de todas as drogas.
As pessoas conscientes do sofrimento que o cigarro traz ficam
desesperadas para convencer familiares e amigos a abandonar o
vício. Nós, médicos, muitas vezes
fazemos o mesmo com os pacientes que nos procuram.
No caso da dependência de nicotina, esse desespero para livrar
pessoas queridas do sofrimento
que o fumo lhes causará é muitas
vezes contraproducente. Cometi
esse erro com meu pai, com meu
irmão e com inúmeros pacientes
até ler um artigo sobre as fases
que todo fumante atravessa durante o doloroso processo que o
conduz a se livrar da nicotina.
O artigo dizia que existem cinco
fases.
1) Fase de pré-contemplação:
nela, o fumante jura que consegue largar a hora que quiser; se
não o faz imediatamente, é porque não tem vontade. Afirma que
o fumo não faz tanto mal quanto
apregoam, que sua saúde nada fica a dever à de muitos que nunca
fumaram e que o tio fumou cigarro sem filtro até os 80 anos e morreu atropelado.
Nessa fase, a intervenção deve
ser ocasional, limitada a chamar
a atenção para as vantagens da
abstinência: melhora do hálito,
do fôlego, do sabor dos alimentos
etc. Talvez caiba aqui uma adaptação do lema dos Alcoólicos
Anônimos: "Se você quer fumar, o
problema é seu. Se quiser largar,
posso ajudar". Não esquecer que
o dependente precisa de apoio;
condenações são ineficazes.
2) Fase de contemplação: ele
chegou à conclusão de que precisa
largar, mas hesita em marcar data para fazê-lo. No íntimo, não
consegue imaginar a vida sem a
droga, vive dominado por sentimentos de autocomiseração: "Pobre de mim, nunca mais um cigarrinho! Nem depois do café?
Nem do copo de cerveja? E se eu
engordar e ficar horrível?".
Nesse estágio, determinação e
covardia se alternam em ciclos.
Seria o momento ideal para encaminhar o fumante aos grupos de
apoio, não fossem eles tão raros
entre nós.
Se o médico quiser ajudar nesse
estágio, é prudente medir as palavras. É conveniente exaltar as
vantagens da vida sem fumar e
discutir os métodos existentes para enfrentar a síndrome de abstinência de nicotina, mas com cautela. A fase de contemplação não
é adequada para submeter ninguém a discursos antitabagistas
nem prescrições de medicamentos
ou adesivos de nicotina.
3) Fase de ação: começa quando
o fumante marcou data para o último cigarro. É o momento em
que ele mais precisa da ajuda dos
familiares, dos amigos e de um
médico com experiência na área,
se possível. Deles, espera-se a sabedoria de oferecer apoio irrestrito à decisão, mas deixar claro
que, em caso de desistência, não
agirão de forma reprovatória.
Nada desencoraja mais o fumante de tentar parar do que o medo
do fracasso.
Durante esse estágio, adesivos
de nicotina ou a bupropiona, medicamento que reduz a ansiedade
provocada pela síndrome de abstinência, podem ser muito úteis.
4) Fase de manutenção: aqui é
importante estimular o ex-fumante a apregoar sua nova condição para os amigos. É durante a
manutenção que o ex-fumante
tratado com adesivos ou bupropiona termina o período de uso;
daí em diante é por conta dele.
A maioria dos que largaram de
fumar concorda que, depois de
seis meses, o sofrimento praticamente desaparece. De fato, grande parte das desistências acontece
nesse período.
5) Recidiva: diversos estudos
mostram que a maior parte dos
fumantes só consegue ficar livre
da dependência depois de três ou
quatro tentativas. Quando a pessoa volta a fumar, é fundamental
reconhecer para qual das fases
anteriores regrediu. Se retornou à
fase pré-contemplativa, por
exemplo, não adianta vir com ladainha para convencê-la a largar
de novo.
Nada destrói mais a auto-estima de alguém quanto voltar a fumar depois de meses ou anos de
abstinência. Quando contam que
o fizeram, os fumantes costumam
xingar-se dos piores nomes: "Olha
que imbecil que eu fui! Não me
conformo com a idiotice! Fui uma
besta!" -para ficarmos nos publicáveis.
Recriminações não lhes fazem
falta. Se quisermos ajudá-los, devemos dizer-lhes que fracassar
diante da nicotina não é humilhação. Humilhante é não reagir
contra a dependência dela.
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