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Sonoridade desenvolvida pelo rapper tem RG próprio
DO ENVIADO A RECIFE
B Negão deu na semana passada a contribuição mais
consequente que pôde ser vista na
edição 2003 do festival Rec-Beat,
em Recife. Fez, em seu set, uma
declaração de confiança na música desprovida de artifícios baratos
-sem pretensas falsas rupturas
novidadeiras e sem as purpurinas
do "pop de aluvião", onde o mais
surrado é vendido como ouro.
B Negão e sua banda, Seletores
de Frequência, não reinventam a
roda. Fazem música reconhecível
(jazz e dub em primeiro plano),
de longos antecedentes criminais,
mas com um frescor admirável.
Ex-vocalista do Funk Fuckers e
ora MC ocasional do Planet
Hemp, B Negão atravessou a última década "na miúda", como
coadjuvante -e faz questão de
ressaltar que não quer, com seu
solo, estar em primeiro plano.
Além de amalgamar novos temas nas letras com métrica e rima
personalíssimas e um padrão musical incomum, B Negão é dono
de um vocal marcante, a meio caminho entre a ânsia de desabafar
(em tiroteio intermitente) e o derrapamento de sílabas.
Traz à cena em boa hora, em
parceria com o Instituto, o único
elemento que falta para conceder
ao rap nacional o título de música
mais afinada com seu tempo, com
o que é a vida neste país hoje: a retaguarda musical mais densa, de
lavra própria, com menos bases
recicladas e RG próprio.
A capacidade do Rec-Beat de
permitir visualizar os rumos da
música nacional é sua grande vocação -só comparável à total falta de pré-conceitos e à coragem
da mistura de seus realizadores.
O que há de melhor entre o novo (Bonsucesso Samba Clube,
MV Bill, Rebeca Matta) e o tradicional (Samba de Coco Raízes de
Arcoverde, Mestres da Guitarrada) convive com o sumo da mistura disso tudo, dessa viagem no
tempo que hoje talvez se expresse
melhor no visceral trabalho do
Cordel do Fogo Encantado.
Enquanto houver um Lirinha
para entregar-se à arte naquele estado de transe e encantamento,
haverá motivo para se escrever
sobre música.
(ISRAEL DO VALE)
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