São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

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NINA HORTA

Até o tutano

John Thorne tornou-se um dos melhores escritores americanos. Me surpreende que ele não tenha alcançado a celebridade de um Jeffrey Steingarten

COMECEI A assinar a newsletter "Simple Food" (comida simples) uns 20 anos atrás. Não me lembro onde descobri a preciosidade. Eram umas quatro páginas mensais, um ensaio e umas receitas.
Os leitores seguiram vida afora os passos do autor, John Thorne, e de sua mulher e ajudante, Matt Thorne. Desde o apartamento em Nova York, depois de ter largado a universidade, dono de uma única frigideira preta e uma colher. Mudando-se para o Maine, para uma casinha de praia onde passava as férias quando menino. Lá é que foi crescendo em sabedoria culinária como em idade.
Seu primeiro livro foi "Simple Cooking" (cozinha simples). E, por ordem, "Outlaw Cook" (cozinheiro bandido), "Serious Pig" (porco sério), "Pot on the Fire" (panela no fogo) e "Mouth Wide Open" (de boca aberta).
Tornou-se um dos melhores escritores americanos. Às vezes me surpreende que ele não tenha alcançado a celebridade de um Jeffrey Steingarten, pois são autores gêmeos que, quando se dedicam a um assunto, vão até o tutano e ainda chupam o osso.
A verdade é que Steingarten tem atrás de si toda a estrutura da "Vogue". Viaja muito, visita todos os restaurantes que quer. Ele mesmo conta que, ao entrar na revista, pediu uma viagem para Nova Jersey e sentiu uma burocracia infernal. Não conseguia a passagem. Até perceber que ao mencionar Paris, Milão, Roma, Londres, num estalar de dedos estava no avião com mulheres lindas de pernas longas. Não insistiu mais com Nova Jersey.
John Thorne não teve esta sorte e aprendeu a cozinhar nos livros. Livros de receitas não eram seu forte, faltava a emoção, a confusão, o erro, o pânico, o conserto, a criatividade e a segurança que a prática traz. A experiência. Descobriu que um autor jamais falava de outro autor e teve a brilhante idéia de colocar as receitas brigando entre si, os livros conversando uns com os outros. Comparava a mesma receita desde a Veneza dos Doges até o último livro da Marcella Hazan.
Ia para a cozinha com todas as anedotas, histórias, lembranças e cheiros que brigavam com as palavras frias das receitas. Observava, escutava, provava, discutia e dentro dele foi se formando o equilíbrio, a lógica viva do prato, que acomodava do jeito que achava melhor.
Seus ensaios são extremamente interessantes: "Mangia maccheroni"; "A metafísica das almôndegas"; "O tutano da questão"; "O crítico e a receita"; "Bacalhau e batatas"; "Signor Minestrone"; "Falafel..."
Ruth Reichl comenta o último livro, "Mouth Wide Open": "É o livro mais rico de Thorne; nele se misturam pensamentos simples e divertidos que começam a se aglutinar numa genuína filosofia da comida".
É um autor para quem lê bem inglês, para os editores brasileiros, para quem se interessa principalmente por comida americana, para quem gosta de uma prosa brilhante.
Acabei de ler "Mouth Wide Open", último livro que veio com carta. "[...] Espero que você esteja bem e produtiva. Vou fazer 65 anos logo, um pouco assustado, apesar da prova estar bem ali na minha frente, no espelho. Felizmente tenho Matt para me paparicar, me observar e me obrigar a comer muita verdura. De modo que acho possível que dure por mais alguns anos. Apesar de tudo, a nossa perspectiva da vida muda ao ficarmos velhos e percebermos que não éramos tão espertos quanto pensávamos. Antes eu achava que tinha todas as respostas (se pelo menos todo mundo me ouvisse!) e agora não tenho nem certeza de quais são as perguntas certas. É por isso que precisamos de bons amigos e boas refeições, não é? Abração da América do Norte!"
Para quem quiser encomendar a newsletter ou comprar um livro: www.outlaw cook.com.
As obras também podem ser encontrados na Amazon (www.amazon.com) e na Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br).


ninahorta@uol.com.br


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