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NINA HORTA
Até o tutano
John Thorne tornou-se um dos melhores escritores americanos. Me surpreende que ele não tenha alcançado a celebridade de um Jeffrey Steingarten
COMECEI A assinar a
newsletter "Simple
Food" (comida simples) uns 20 anos atrás. Não
me lembro onde descobri a
preciosidade. Eram umas
quatro páginas mensais, um
ensaio e umas receitas.
Os leitores seguiram vida
afora os passos do autor, John
Thorne, e de sua mulher e
ajudante, Matt Thorne. Desde o apartamento em Nova
York, depois de ter largado a
universidade, dono de uma
única frigideira preta e uma
colher. Mudando-se para o
Maine, para uma casinha de
praia onde passava as férias
quando menino. Lá é que foi
crescendo em sabedoria culinária como em idade.
Seu primeiro livro foi "Simple Cooking" (cozinha simples). E, por ordem, "Outlaw
Cook" (cozinheiro bandido),
"Serious Pig" (porco sério),
"Pot on the Fire" (panela no
fogo) e "Mouth Wide Open"
(de boca aberta).
Tornou-se um dos melhores escritores americanos. Às
vezes me surpreende que ele
não tenha alcançado a celebridade de um Jeffrey Steingarten, pois são autores gêmeos que, quando se dedicam
a um assunto, vão até o tutano
e ainda chupam o osso.
A verdade é que Steingarten tem atrás de si toda a estrutura da "Vogue". Viaja
muito, visita todos os restaurantes que quer. Ele mesmo
conta que, ao entrar na revista, pediu uma viagem para
Nova Jersey e sentiu uma burocracia infernal. Não conseguia a passagem. Até perceber
que ao mencionar Paris, Milão, Roma, Londres, num estalar de dedos estava no avião
com mulheres lindas de pernas longas. Não insistiu mais
com Nova Jersey.
John Thorne não teve esta
sorte e aprendeu a cozinhar
nos livros. Livros de receitas
não eram seu forte, faltava a
emoção, a confusão, o erro, o
pânico, o conserto, a criatividade e a segurança que a prática traz. A experiência. Descobriu que um autor jamais
falava de outro autor e teve a
brilhante idéia de colocar as
receitas brigando entre si, os
livros conversando uns com
os outros. Comparava a mesma receita desde a Veneza
dos Doges até o último livro
da Marcella Hazan.
Ia para a cozinha com todas
as anedotas, histórias, lembranças e cheiros que brigavam com as palavras frias das
receitas. Observava, escutava,
provava, discutia e dentro dele foi se formando o equilíbrio, a lógica viva do prato,
que acomodava do jeito que
achava melhor.
Seus ensaios são extremamente interessantes: "Mangia maccheroni"; "A metafísica das almôndegas"; "O tutano da questão"; "O crítico e a
receita"; "Bacalhau e batatas"; "Signor Minestrone";
"Falafel..."
Ruth Reichl comenta o último livro, "Mouth Wide
Open": "É o livro mais rico de
Thorne; nele se misturam
pensamentos simples e divertidos que começam a se aglutinar numa genuína filosofia
da comida".
É um autor para quem lê
bem inglês, para os editores
brasileiros, para quem se interessa principalmente por
comida americana, para
quem gosta de uma prosa brilhante.
Acabei de ler "Mouth Wide
Open", último livro que veio
com carta. "[...] Espero que
você esteja bem e produtiva.
Vou fazer 65 anos logo, um
pouco assustado, apesar da
prova estar bem ali na minha
frente, no espelho. Felizmente tenho Matt para me paparicar, me observar e me obrigar a comer muita verdura.
De modo que acho possível
que dure por mais alguns
anos. Apesar de tudo, a nossa
perspectiva da vida muda ao
ficarmos velhos e percebermos que não éramos tão espertos quanto pensávamos.
Antes eu achava que tinha todas as respostas (se pelo menos todo mundo me ouvisse!)
e agora não tenho nem certeza de quais são as perguntas
certas. É por isso que precisamos de bons amigos e boas refeições, não é? Abração da
América do Norte!"
Para quem quiser encomendar a newsletter ou comprar um livro: www.outlaw
cook.com.
As obras também podem
ser encontrados na Amazon
(www.amazon.com) e na
Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br).
ninahorta@uol.com.br
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