São Paulo, sexta-feira, 10 de abril de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Surrealismo guia o filme sueco "Vocês, os Vivos"

De Roy Andersson, produção apresenta mosaico de personagens estranhos

"Minha ambição é criar cenas mais explícitas que a realidade", diz em entrevista à Folha diretor conhecido por comerciais na TV sueca

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para aqueles que não têm muita paciência com o circuito alternativo de cinema, "Vocês, os Vivos" vai se enquadrar fácil na peculiar categoria "filme esquisito com gente esquisita fazendo coisas esquisitas".
Mas, se o espectador esperar mais do que uma hora e meia de entretenimento, essa produção do sueco Roy Andersson, 66, vai trazer à mente os momentos mais pitorescos de Fellini. Pode-se dizer ainda que Andersson é um Ingmar Bergman com senso de humor (negro).
"Vocês, os Vivos" não tem uma trama propriamente dita. São vários esquetes sobre meia dúzia de personagens filmados com a câmera parada. Usando variações de cinza, que conferem ao longa um tom onírico, Andersson capta momentos ordinários da vida reinterpretados em chave nada realista.
"Larguei o realismo há uns 15 anos. Senti que o realismo era um beco sem saída. Entrar na esfera da abstração foi um grande alívio", diz Andersson. Na abertura, versos de Goethe dão o tom (algo como "Contente-se pois, ser vivente, em seu espaço quente e aconchegante, antes que a morte fatal venha lamber os seus pés fugitivos").
"O poema me inspirou na medida em que capta com beleza a noção de abraçar e curtir a vida, em vez de se sentir aflito", diz Andersson, 66. "É uma ornamentação da expressão "carpe diem" [algo como "aproveite o momento]."

Tragicomédia
Vemos, então, esboços narrativos sobre tipos sempre entre o trágico e o patético, como o carpinteiro que tem um sonho onde é condenado à cadeira elétrica; a garota obcecada por um roqueiro; um homem de negócios que tem o cabelo destruído por um barbeiro nervoso e por aí vai.
"Minha ambição é criar cenas mais explícitas que a realidade. Quero elucidar a vida com meus filmes", afirma Andersson, que diz ter um estilo visual inspirado pelo surrealismo e expressionismo. "O período entre-guerras na Alemanha, com artistas como Otto Dix e George Grosz, são grandes influências; nos diálogos, minha inspiração é Samuel Beckett."
Andersson tem carreira errática no cinema. "Vocês, os Vivos" é a segunda parte de uma trilogia, iniciada com "Canções do Segundo Andar" (2000) e cuja última parte está para ser filmada. Logo em seu primeiro filme, "A Swedish Love Story", foi premiado no Festival de Berlim de 1970. Em seguida, fez "Giliap" (1975), um "fracasso em todos os sentidos".
O "flop" pôs Andersson na geladeira -ele fez apenas um filme nos anos 80, um nos 90 e até agora dois nos anos 2000. Contribui para esses grandes hiatos o fato de que Andersson se deu melhor ao criar sua própria empresa e focar a produção em comerciais para a TV sueca -há vários deles, hilários, no YouTube.


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