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CINEMA/ESTREIAS
Surrealismo guia o filme sueco "Vocês, os Vivos"
De Roy Andersson, produção apresenta mosaico de personagens estranhos
"Minha ambição é criar cenas mais explícitas que a realidade", diz em entrevista à Folha diretor conhecido por comerciais na TV sueca
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para aqueles que não têm
muita paciência com o circuito
alternativo de cinema, "Vocês,
os Vivos" vai se enquadrar fácil
na peculiar categoria "filme esquisito com gente esquisita fazendo coisas esquisitas".
Mas, se o espectador esperar
mais do que uma hora e meia de
entretenimento, essa produção
do sueco Roy Andersson, 66,
vai trazer à mente os momentos mais pitorescos de Fellini.
Pode-se dizer ainda que Andersson é um Ingmar Bergman
com senso de humor (negro).
"Vocês, os Vivos" não tem
uma trama propriamente dita.
São vários esquetes sobre meia
dúzia de personagens filmados
com a câmera parada. Usando
variações de cinza, que conferem ao longa um tom onírico,
Andersson capta momentos
ordinários da vida reinterpretados em chave nada realista.
"Larguei o realismo há uns 15
anos. Senti que o realismo era
um beco sem saída. Entrar na
esfera da abstração foi um
grande alívio", diz Andersson.
Na abertura, versos de Goethe
dão o tom (algo como "Contente-se pois, ser vivente, em seu
espaço quente e aconchegante,
antes que a morte fatal venha
lamber os seus pés fugitivos").
"O poema me inspirou na
medida em que capta com beleza a noção de abraçar e curtir a
vida, em vez de se sentir aflito",
diz Andersson, 66. "É uma ornamentação da expressão
"carpe diem" [algo como "aproveite o momento]."
Tragicomédia
Vemos, então, esboços narrativos sobre tipos sempre entre
o trágico e o patético, como o
carpinteiro que tem um sonho
onde é condenado à cadeira
elétrica; a garota obcecada por
um roqueiro; um homem de
negócios que tem o cabelo destruído por um barbeiro nervoso e por aí vai.
"Minha ambição é criar cenas mais explícitas que a realidade. Quero elucidar a vida
com meus filmes", afirma Andersson, que diz ter um estilo
visual inspirado pelo surrealismo e expressionismo. "O período entre-guerras na Alemanha,
com artistas como Otto Dix e
George Grosz, são grandes influências; nos diálogos, minha
inspiração é Samuel Beckett."
Andersson tem carreira errática no cinema. "Vocês, os Vivos" é a segunda parte de uma
trilogia, iniciada com "Canções
do Segundo Andar" (2000) e
cuja última parte está para ser
filmada. Logo em seu primeiro
filme, "A Swedish Love Story",
foi premiado no Festival de
Berlim de 1970. Em seguida, fez
"Giliap" (1975), um "fracasso
em todos os sentidos".
O "flop" pôs Andersson na
geladeira -ele fez apenas um
filme nos anos 80, um nos 90 e
até agora dois nos anos 2000.
Contribui para esses grandes
hiatos o fato de que Andersson
se deu melhor ao criar sua própria empresa e focar a produção em comerciais para a TV
sueca -há vários deles, hilários, no YouTube.
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