São Paulo, sexta-feira, 10 de abril de 2009

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Crítica/ "Vocês, os Vivos"

Andersson "envenena" longa para ressaltar as "verdades"

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Uma impressão de falsidade paira o tempo todo sobre as imagens de "Vocês, os Vivos". É como se a larga experiência do diretor sueco Roy Andersson no ramo dos filmes publicitários se sobrepusesse à sua vontade de fazer cinema e condenasse seu projeto de redesenhar um painel atualizado da comédia humana a se diluir numa estética de vender tudo, menos verdades. O próprio formato do filme reitera essa impressão. Uma sucessão de 53 esquetes cujas imagens são milimetricamente planificadas, a tendência a uma comicidade gráfica cuja inspiração mais evidente é o cinema de Jacques Tati e a presença de tipos vizinhos da caricatura nos levam a pressentir o pior. Afinal, não poucas vezes algum "gênio" teve a ideia de saturar um filme com elementos decorativos e confundiu "reinventar" o cinema com fazer um bolo desses de festa de criança: lindo e enjoativo.
À medida, porém, que a projeção de "Nós, os Vivos" avança, torna-se mais sólida a compreensão de que Roy Andersson usa, sim, sua maestria no campo da publicidade, mas para nos fazer consumir um produto envenenado. Além do humor negro de algumas situações (um coitado sonha ter destruído um conjunto completo de louças antigas num jantar e por causa disso é condenado à cadeira elétrica; uma mulher peleja para fazer a mãe, vítima de Alzheimer, recuperar suas lembranças), há sempre uma dose extra de melancolia nos tipos e queixas que povoam a tela, emoção imprópria sob a ditadura do hedonismo vigente.
Nesse pacote, a caricatura cumpre sua função enfática e ganha no cinema uma estranha dimensão, a meio caminho entre o desenho animado e o expressionismo pictural, com a qual nos identificamos no exagero e no absurdo. A estratégia de embalar esses micro-retratos da miséria humana numa forma encantadora, em vez de amenizar o lado trágico da nossa comédia, torna-a mais explícita. Nessa apropriação da linguagem domesticadora com que a publicidade embala nossos sonhos consumistas e embota nossa visão noite e dia, "Nós, os Vivos" deturpa o poder da farsa e nos permite experimentar um tanto de verdades.



VOCÊS, OS VIVOS
Produção : Suécia/Alemanha/ França/Dinamarca/Noruega, 2007
Direção : Roy Andersson
Com : Jessika Lundberg, Elisabeth Helander e Björn Englund
Onde : Espaço Unibanco Pompeia 10 e Frei Caneca Unibanco Arteplex 5
Avaliação: ótimo



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