São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

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Obra segue passos de maridos das Mães da Praça de Maio

"Padres de la Plaza", que será exibido no evento na terça-feira, resgata lembranças de pais de desaparecidos políticos durante regime militar argentino

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

"Este é um bilhete de ônibus daquele tempo", diz o fotógrafo Jaime Steimberg, 85, enquanto mostra uma desgastada carteira. Foi o único pertence do filho Luis Pablo que lhe chegou às mãos depois de o jovem militante comunista ser sequestrado no distante 1976, aos 22. Steimberg era um dos dez homens escolhidos para integrar "Padres de la Plaza", documentário sobre pais de desaparecidos políticos na ditadura argentina que será exibido na terça-feira no festival.
"Era" porque não sobreviveu para ver o filme pronto. Morreu poucas semanas depois de dar um depoimento em que expunha um último desejo: "Quero ser cremado, e que minhas cinzas sejam jogadas no rio da Prata, pois foi o que aconteceu com Luis". O pedido foi atendido pelos familiares de Jaime.
O regime militar argentino (1976-1983) foi responsável pelo desaparecimento de mais de 30 mil pessoas, segundo órgãos de direitos humanos. No período, muitos presos políticos foram arremessados no rio. O documentário é composto por conversas que começam na casa de cada pai. Depois, segue durante caminhadas propostas por eles, em lugares frequentados pelos filhos. No final, há uma reunião na Praça de Maio.
"A ideia foi sempre partir do individual para o coletivo, fazendo com que as trilhas convergissem no cenário onde sua luta começou", conta o diretor Joaquín Daglio, 34, que nasceu durante o regime.
O local se transformou em ponto de encontro político desde que as Mães da Praça de Maio dele se apoderaram para protestar pelo sumiço dos filhos, há mais de trinta anos. As passeatas emotivas, nas quais as mulheres carregam fotos dos jovens ficaram famosas no mundo todo. As Mães -depois divividas em outros subgrupos- viraram uma referência para a luta por direitos humanos. Porém, até agora, ninguém havia feito a pergunta: "Mas onde estão os pais?".
Em "Padres de la Plaza", eles respondem. Uns dizem que ficavam espiando nas esquinas. Outros, que tinham que trabalhar. E há, ainda, os que creem que a imagem da mãe chorando é mais comovente e, por isso, se prestaria melhor à causa. Mas é falsa a impressão de que seus relatos possam ser menos comoventes.
Há o caso de Rafael Beláustegui, 82, que teve nada menos do que três filhos levados pelo regime. Martin, então com 19, foi o primeiro a desaparecer, com a namorada grávida, em 1976. No ano seguinte, foram as vezes de Valéria, 24, e Rafael, 22.
Alguns tiveram notícia sobre os lugares para onde os jovens eram levados. Como o oftalmologista Mauricio Brodsky, 85, que soube que o filho Fernando fora preso na temida ESMA (Escola de Suboficiales de Mecânica da Armada, centro de detenção em Buenos Aires).
Outros chegaram a recuperar o corpo, como Julio Morresi, 79, que, em 1989, foi informado de que os restos do filho haviam sido identificados e que ele morrera no próprio dia em que fora sequestrado, em 1976, com apenas 17 anos.


PADRES DE LA PLAZA

Direção: Joaquín Daglio
Quando: terça, 17h30, no CCBB-RJ; e quarta, 15h, no Reserva Cultural, em SP
Classificação: não informada




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