Museu recebe fase menos expressionista do pintor

DA REPORTAGEM LOCAL

Não é o Portinari dos contornos pontiagudos dos "Retirantes" que está na mostra aberta hoje na Pinacoteca do Estado. No novo recorte de cerca de 60 obras, parecem estar ainda em gestação os arroubos expressionistas do artista que traduziu para as telas o sofrimento agreste das secas nordestinas.
São rarefeitos, menos agudos, os traços nessas telas, desenhos e gravuras. Quadro que abre a mostra, "O Sapateiro de Brodósqui" contrasta as mãos rudes, a pose grosseira e contorcida à placidez dos azulejos azuis no pé da figura central.
Suas ilustrações para "O Alienista", de Machado de Assis, e "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, só ensaiam uma tempestade nos traços.
"Lavadeiras" mergulha as duas mulheres retratadas em tons pastel e luz diáfana, algo de levada impressionista que camufla os estrondos mais fortes de sua denúncia social.
É a mesma paz de seus retratos de infância, em que meninos de uma geometria dócil ainda não revelam as arestas do povo sofrido, que retratou em sua série mais famosa.
Numa ponte com os "Retirantes", só os olhares arregalados, as caras de espanto e desconsolo das figuras em "A Barca" e "Grupo de Meninas Brincando". Nesta, que é talvez a obra mais bela do conjunto agora no museu, Portinari retrata um mundo popular que explode em cor e melancolia.
São olhos que não cabem nas órbitas, vestidos puídos, mãos erguidas para o céu e figuras que encaram o mundo lá fora, sempre à procura de uma saída. (SILAS MARTÍ)