São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

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É pesado, mas "avoa'

free-lance para a Folha

Brasileiro não pode ver morto que sai a homenageá-lo com nomes de ruas, estátuas e músicas. A sombra de Chico Science está em todo o CD "Soulfly" -em sonoridade e conceito-, mas não soa oportunista nem "eleitoreiro".
Um dos melhores guitarristas brasileiros, Lúcio Maia -que assina no disco como Jackson Bandeira (?)- mais Gilmar e Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, dão a linha mestra mangue aos vocais guturais de Max.
O tribal e indígena estão mais presentes que em "Roots", último álbum do Sepultura com Max, com temperos africanos e religiosos ao hardcore, mistura -mesmo depois de "Roots"- ainda incomum - e por isso eficiente- a ouvidos internacionais.
Mais incomum ainda se todo esse caldeirão tiver reggae, raggamuffin e hip hop em doses homeopáticas e passeios eletrônicos, dando sopro original à lengalenga da música pesada atual.
A estréia de Max sem o Sepultura evidencia um rito de passagem, como diriam os antropólogos, da adolescência para a vida adulta. E como tal, implica dor e perda.
São 18 faixas em que Max Cavalera notadamente vomita tudo o que estava preso na garganta desde o rompimento com o Sepultura e a morte de Dana.
Começa com "Eye for an Eye", música vingativa, pesadíssima, com respiros indianos.
"Bleed" é a primeira boa surpresa do disco com baixo e bateria sincopados e enxerto do hip hop de Fred Durst, do Limp Bizkit, percussão vigorosa e efeitos em alta velocidade.
A mais mangue é "Tribe", que começa com Max no berimbau, em ode a Zumbi (Jorge Ben Jor), Nação Zumbi vigorosa, levada funk pesada e citações indígenas.
A guitarra de "Lúcio Bandeira" sobressai em "First Commandment" e "Bumbklaatt". A primeira vale pelo final com vocais sussurrados à Marilyn Manson, ao fundo, com batuques mangue como numa caverna escura com ecos.
Ragga se entrelaça com hardcore em "Prejudice", num dos pontos altos do disco, com participação do vocalista Benji, da Dub War e percussão mangue afiada.
"Umbabarauma", de Jorge Ben Jor, com introdução pomba-gira, ganha versão para ser entoada por torcidas organizadas antes do jogo ("homem-gol!"). Ficou subaproveitada, limitada.
Hardcore, reggae e trash raramente se dão bem como em "Fire", que conta ainda com mais louvação a Zumbi (mais Ben Jor).
Com um ótimo nome -e música nem tanto-, "The Song Remains Insane" vira ao avesso "Attitude", de "Roots", começando com o relato da notícia da prisão de Max -o caso bandeira do Brasil- pela "Voz do Brasil" e com Science falando, ao final, de lendas pernambucanas como Galeguinho do Coque, Biu do Olho Verde e a Perna Cabeluda. Sensacional. O que deve passar na cabeça dos suecos quando ouvem isso?
Soulfly é conciso, pesado, mas "avoa" em direção a qualquer lugar que não haja mediocridade, no caso, Chico Science. (MN)


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