São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

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EXPOSIÇÃO
A retrospectiva da artista mexicana reúne quadros, desenhos e aquarelas na Fundação Martigny, na Suíça
Frida Kahlo retrata corpo torturado

FÁTIMA MIRANDA NUNES
da Suíça

A pintora mexicana Frida Kahlo é hoje a escolhida do costureiro Jean-Paul Gautier e a musa dos maquiadores europeus.
Por que os criadores de moda em Paris a fazem reviver nas passarelas desta temporada? A resposta se encontra em Martigny, cidade suíça distante 100 km de Genebra, nos quadros que cobrem as paredes da Fondation Gianadda, que acolhe até 1º de junho as obras de Frida Kahlo e Diego Rivera.
A retrospectiva reúne quadros, desenhos e aquarelas e também uma amostra de fotos de época sobre a vida e os hábitos de Frida Kahlo em cidadezinhas do México, o que esclarece os motivos de sua pintura.
Frida Kahlo era uma mulher ligada às raízes nacionais e demonstra isso quando assume os costumes típicos, retratando-se com roupas folclóricas ou ao introduzir simbolicamente frutas tropicais na pintura. Essa ligação com a terra mexicana vem explícita em "Racines ou Sol Rocailleux" (Raízes ou Solo de Pedras).
Praticamente toda a obra de Frida Kahlo está exposta em Martigny. Os quadros vieram de diversos museus mexicanos (Museo Dolores Patino, Casa Diego Rivera), do Museu de Arte Moderna de Nova York, Stedelijk Museum de Ammsterdam e do Museu de l'Hermitaghe, de São Peterburgo, Rússia. Frida Kahlo foi uma ativa militante comunista. Ela considerava como data de seu nascimento o ano de 1910, quando o ditador Porfírio Diaz foi derrubado por seguidores de Emílio Zapata. Na realidade, nasceu em 6 de julho de 1907 e sua vida foi uma longa sequência de traumatismo físico.
É preciso ver o auto-retrato intitulado "La Colonne Brisée" (Trabalhadora do Campo em Pedaços), um corpo rasgado em dois, suspenso por bandeirinhas e perfurado a pregos. Assim talvez se comece desvendar a pintura dessa artista, que se auto-retrata seguidamente com um corpo torturado por flechas, pregos e sangue, a sequela psicológica de um acidente de ônibus do qual foi vítima em 1926. Nesse acidente, Frida Kahlo foi transpassada por metais da carroceria do veículo no ventre e do quadril esquerdo aos órgãos genitais. Passou meses de solidão em um hospital, esquecida pelos parentes.
Aos 13 anos Frida já havia sido vítima de uma poliomielite, que a deixara com a perna direita alguns centímetros mais curta. Após sua ligação com Diego Rivera, Frida sofrerá inúmeros abortos. Depois de um deles pinta "L'Hôspital Henry Ford ou Lit Volant" (Hospital Henry Ford ou a Cama Voadora), em torno da qual flutuam objetos assemelhados a genitais e um feto, suspensos sobre seu ventre por cordões. A simbologia é clara, o sangue sobre lençóis brancos não deixa equívocos.
Os suíços, que até aqui não conheciam a pintura de Frida Kahlo, se apressam em ler os livros sobre sua vida e sua obra para entender o porquê de tantos corpos mutilados e ensanguentados nas telas da Fundação Martigny.
Mais de 100 mil pessoas de toda a Europa já viram a obra de Kahlo, exposta em Martigny.
Comparada a Diego Rivera, viajante cosmopolita, que aos 20 anos já habita e pinta em Paris e é adulado pela vida mundana, Kahlo é uma militante interior, imóvel, só muito tarde viaja com Rivera aos Estados Unidos. Sua pintura está toda concentrada no ser humano em sua dimensão individual. Mas quando o próprio Rivera comenta que "através dos seus quadros Frida Kahlo arrebenta os tabus do corpo e da sexualidade feminina", Rivera dá à pintura de Kahlo uma medida universal.



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