São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2000


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CINEMA
Enciclopédia atesta sobrevivência dos nossos filmes

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Enquanto se discutia se o Brasil podia fazer filmes ou não, o cinema tomou a dianteira e tratou de existir.
No total, é mais de um século de existência, aos trancos e barrancos, é verdade, mas mais do que suficiente para justificar a existência da "Enciclopédia do Cinema Brasileiro", obra que hoje será lançada no Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.470, região central de São Paulo), a partir das 19h.
Aliás, quando foi mesmo que foi rodado o primeiro filme em nosso país? Segundo o verbete "Primeiros e Maiores", escrito por Hernani Heffner, ainda não se sabe ao certo.
Podem ter sido as cenas da baía da Guanabara filmadas por Afonso Segreto em 18 de junho de 1898. Mas há indícios de que o filme tenha velado.
Pode ter sido "O Préstito do Marechal Floriano", feito apenas 11 dias depois. Ou ainda uma série tomada por Vittorio de Maio que teria sido apresentada em maio de 1897.
A dúvida não é meramente ocasional. Entre arquivos perdidos, incendiados ou vendidos a peso, para não falar dos filmes desaparecidos, inclusive esses -sintomas de uma atividade quase sempre marginal no Brasil-, muita coisa sumiu.
A enciclopédia organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda representa o primeiro grande esforço de sistematização dos conhecimentos existentes sobre o cinema no Brasil publicado em livro.
Ambos são do ramo. Fernão, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), já organizou uma "História do Cinema Brasileiro". Luiz Felipe, pesquisador, publicou um "Dicionário de Cineastas".
O empreendimento atual, muito mais ambicioso, consiste de 700 verbetes reunidos em 584 páginas, mais um caderno com 190 fotografias, que contou com a colaboração de 45 pesquisadores. No total, o volume tem 664 páginas.
A primeira questão grave com que se defrontaram os organizadores foi a de fixar os critérios que justificassem a existência de um verbete.
O número de corte escolhido foi 30. Um diretor, produtor, ator ou técnico com 30 ou mais trabalhos assinados tem direito a um verbete individual, independente de sua relevância.
Com isso, os pesquisadores do futuro (e também os do presente) poderão saber, por exemplo, que Patricia Scalvi, atriz pouco conhecida, mas de grande talento, nasceu em 1954 e dedicou-se a novelas de TV e ao teatro após seu último trabalho em cinema, em 1983, além de ser uma das favoritas do crítico Rubem Biáfora.
Nem sempre o critério é numérico, entretanto. Eva Nil, por exemplo, participou de poucos filmes, todos desaparecidos, mas é uma das atrizes de maior prestígio dos anos 20.
Em parte para suprir as lacunas deixadas por esse critério foram criados verbetes temáticos. Uma parte destina-se a atividades técnicas (fotografia, roteiro, produção etc.). Outra, a aspectos relevantes da atividade, não personalizáveis, que vão de Concine (órgão normativo que existiu paralelamente à Embrafilme) a Cinearte (revista surgida nos anos 20, de que era mentor Adhemar Gonzaga), de filmes perdidos (dando conta da considerável parte da produção brasileira desaparecida em circunstâncias diversas) a Vera Cruz etc.

Atualização
Como toda enciclopédia que se preze, esta, cuja elaboração custou quatro anos de trabalho, não é uma obra definitiva.
Tanto se farão necessárias atualizações como revisões que eliminem certas lacunas.
Para ficar com apenas um exemplo, o próprio verbete de Eva Nil traz uma contradição. Enquanto a filmografia a credita como atriz de "Tesouro Perdido" (que, aliás, não está perdido, ao contrário dos demais filmes de que participou), o texto do verbete informa que ela se recusou a participar do filme, após brigar com o diretor Humberto Mauro (no caso, o texto do verbete está certo).
Cochilos dessa natureza não diminuem a importância da "Enciclopédia do Cinema Brasileiro". Antes, dão conta da amplitude do projeto e da dificuldade que encontram os pesquisadores de cinema no Brasil, onde as informações, quando existem, não raro são contraditórias.
Sua mera existência é uma espécie de atestado de sobrevivência do cinema brasileiro. Ao reunir dados dispersos nos arquivos ou, por vezes, na memória dos protagonistas dessa história, cria um importante instrumento para qualquer pessoa que, em dado momento, precise lançar mão desses dados.

    
Livro: Enciclopédia do Cinema Brasileiro
Autores: Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda
Editora: Senac
Lançamento: hoje, às 19h, no Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.470, região central de São Paulo)
Quanto: R$ 68 (664 págs.)


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