São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2001

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RELÂMPAGOS

Mafuá

JOÃO GILBERTO NOLL

Pouco antes da velhice, quando talvez ainda pudesse seduzir alguém por algum detalhe físico, uma entonação, o timbre, nesse momento, aí ele começou a se encolher... Antes que acordasse um dia sem se reconhecer mais nas superfícies das coisas em condições de espelhá-lo. Nítidas ou foscas, não importa. E isso afinal acabou se dando na porta de aço do armário da cozinha. Tomava um café quando de chofre viu-se refletido na placa levemente ondulada: uma imagem nessas alturas, além do senhoril, remida dos horários, uma infância sem a graça, contorno que jamais pensara em ocupar. Levantou-se curvado. Tocou nos traços. Disformes, como os de um espelho de mafuá. A superfície? Anestesiada, já. Saiu pra rua. O porteiro era outro. De onde o conhecia...?


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