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RELÂMPAGOS
Mafuá
JOÃO GILBERTO NOLL
Pouco antes da velhice,
quando talvez ainda pudesse
seduzir alguém por algum detalhe físico, uma entonação, o
timbre, nesse momento, aí ele
começou a se encolher... Antes que acordasse um dia sem
se reconhecer mais nas superfícies das coisas em condições
de espelhá-lo. Nítidas ou foscas, não importa. E isso afinal
acabou se dando na porta de
aço do armário da cozinha.
Tomava um café quando de
chofre viu-se refletido na placa levemente ondulada: uma
imagem nessas alturas, além
do senhoril, remida dos horários, uma infância sem a graça, contorno que jamais pensara em ocupar. Levantou-se
curvado. Tocou nos traços.
Disformes, como os de um
espelho de mafuá. A superfície? Anestesiada, já. Saiu pra
rua. O porteiro era outro. De
onde o conhecia...?
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