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CINEMA/ESTRÉIAS
"ALPHAVILLE" E "O DEMÔNIO DAS 11 HORAS"
Divulgação
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Jean-Paul Belmondo em "Demônio das 11 Horas", de Godard, que volta ao cartaz hoje |
Cineasta francês faz espectador regredir aos anos 60 em seus filmes
Godard documental faz elogios do amor
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Alphaville" e "O Demônio das 11 Horas" (vulgo
"Pierrot le Fou") são, ambos, deslavados elogios do amor. São ambos filmes de 1965 e pertencem ao
mesmo momento da obra de
Jean-Luc Godard.
São, também, diferentes. O primeiro é uma ficção científica que
narra a visita do agente Lemmy
Caution a um mundo totalitário e
sua tentativa de libertar dali a
mente e o corpo de Natacha von
Braun (Anna Karina). O segundo
é um "road movie" sobre um homem que troca seu mundo burguês pelos encantos incertos de
Marianne (Anna Karina). No primeiro, o homem liberta a mulher.
No segundo, ela é que o liberta.
O que chama a atenção em "Alphaville", quando revisto hoje, é
sua distância em relação ao que
entendemos por ficção científica.
Não há estúdio, foguete ou roupa
futurística. A sensação de futuro
vem da luz de Raoul Coutard, que
transfigura Alphaville-Paris.
O Godard de 1965 acredita no
homem, no amor e, sobretudo, na
poesia de Paul Eluard. A poesia é
o que pode transformar o mundo,
torná-lo aceitável. Ela é, no mais,
um correlato do amor, e este é capaz de aniquilar o pesadelo totalitário, dando sentido à vida.
Parece um pouco J.G. de Araujo
Jorge -poeta em outros tempos
tão popular quanto Paulo Coelho
hoje. E até seria, tal o derramamento romântico, não fosse a secura do preto-e-branco, o combate entre Lemmy Caution e o supercomputador Alpha-60, a dinâmica de dois mundos regidos pelo
livro: o dos "planetas exteriores",
orientado pela possibilidade de
interpretação infinita dos textos,
o de Alphaville pela interpretação
unívoca da bíblia de Alpha-60.
"Pierrot le Fou" não é menos romântico nem menos libertário do
que "Alphaville". Aqui vigora o
colorido e, com ele, a idéia de expansão, bem como o humor
-mas a poesia não está ausente.
É logo no início, no entanto, que
Godard diz a que vem. Com um
livro de Elie Faure nas mãos, Pierrot fala de Velasquez, de um momento em que Velasquez já não se
interessava em pintar as coisas,
mas entre as coisas.
"Entre" é uma palavra-chave no
cinema godardiano. Cada plano,
cada corte, nos lembram de que
lhe interessa o que está entre as
coisas. Com "Pierrot" estamos
num Godard mais típico: o interesse em contar uma história inexiste. Ela é apenas um fio a partir
do qual Godard vai pilhando as
coisas do mundo, aqui e ali.
Em "Pierrot" ou "Alphaville",
apesar de suas diferenças, o espectador experimentará a sensação de regredir a 1965, e esse não é
um sentimento extemporâneo.
Godard não é um documentarista, mas é o mais documental dos
cineastas. O seu tempo, aquilo
que o cerca, as idéias, ilusões ou
inquietações do momento estão
gravadas em cada fotograma,
misturadas às suas reflexões, à
maneira de ver o mundo.
É em "Pierrot" que Godard nos
presenteia com a magnífica definição de cinema de Samuel Fuller
(em pessoa), que transcrevo de
memória: cinema é amor, ódio,
sangue, em uma palavra: emoção.
É um campo de batalha.
Campo de batalha. E não distração para os olhos. Campo de batalha em que nós, espectadores, temos de lutar em corpo-a-corpo
com as imagens e as idéias que
nos trazem. Não casa de repouso.
Godard está vivo e pulsante a
cada cena que filma e exige que
também estejamos vivos e atentos. Não para segui-lo cegamente,
mas sim para ver o que há nessas
imagens que estão entre nós e a
tela, elas também muito vivas.
Alphaville
Alphaville
Direção: Jean-Luc Godard
Produção: França/Itália, 1965
Com: Eddie Constantine, Anna Karina
Quando: a partir de hoje no Top Cine
O Demônio das 11 Horas
Pierrot le Fou
Direção: Jean-Luc Godard
Produção: França/Itália, 1965
Com: Jean-Paul Belmondo, Anna Karina
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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