São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"EU NÃO CONHECIA TURURÚ"

Estréia na direção de longas da atriz recorre a clichês em comédia de costumes primária

Bolkan faz fantasia cruel e egocêntrica

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

Há três filmes embolados, trocando bordoadas entre si, dentro de "Eu Não Conhecia Tururú": um documentário de propaganda do Ceará, um manifesto lésbico e uma comédia de costumes. O que os une é o primarismo.
O documentário é de natureza turística. Arrebóis de calendário, silhuetas de jangadas contra o mar plácido, danças folclóricas multicoloridas, animados forrós, feiras populares apinhadas -não há clichê ao qual a diretora Florinda Bolkan não recorra.
Não há uma cena que mostre pobreza nem sequer sujeira. Já o aeroporto de Fortaleza, novinho em folha, aparece em três sequências. Como nenhuma das protagonistas fala com sotaque nordestino, a ode ao Ceará permanece sempre como um pano de fundo de mal-ajambrado governismo.
O manifesto lésbico é extremado e simplório: as mulheres são gente de carne e osso; os homens são intrinsecamente maus.
Há apenas dois homens no filme, ambos em papéis secundários. Um, o simpático Dodô (Fernando Alves Pinto), é homossexual. O outro, Gil (Herson Capri), é um mulherengo contumaz.
A comédia de costumes conta a história de cinco mulheres, a mãe e suas quatro filhas, que se reúnem para o casamento de uma delas.
Eleonora (representada pela diretora) é uma escritora de sucesso na Itália. Ela é viúva e namora a sua enteada (influência de Luchino Visconti?), que tem o pitoresco nome de Selvaggia (Valentina Vicario).
Carmen (Suzana Gonçalves) vai se casar pela quarta vez. Com vestidos curtos e maquiagem excessiva, ela é uma perua gritona. Espantoso que tenha conseguido casar tantas vezes.
Isabel (Ingra Liberato), que mora nos Estados Unidos, onde é casada com um político do Estado de Nebraska, é um primor de incongruências. As irmãs dizem que ela é apaixonada pelo marido. No entanto, a cada bar que entra, e ela entra nuns dez, Isabel pede uma pinga e flerta com os homens que encontra pela frente.
Isabel quer ter filhos. É assaltada por um trombadinha loiro e de olhos verdes, descobre onde ele mora, paga-lhe sorvete e, insinua-se, o adota.
Rose (Maria Zilda Bethlem), a irmã solteira, é uma "new age" ensandecida: lê a sorte num baralho ensebado, faz dieta, toma porres, vitupera, tem crises de ciúme e carência.
A mãe, Letícia (Lídia Matos), é uma velhinha gagá que, como as filhas, reclama dos homens. Eleonora, que pretende escrever um livro sobre a família, descobre cartas da mãe, nunca enviadas, em que confessa seu amor a um homem misterioso.
Como as cartas são endereçadas à estação de trem de Tururú, as filhas resolvem fazer-lhe uma surpresa, levando-a lá sem avisá-la. A velhota chega à cidadezinha, boquiabre-se, fala "Tururú" e se segue uma sequência em que todas as personagens dançam ao pôr-do-sol e o filme acaba.
Não dá para entender nada, a não ser que "Tururú" é uma fantasia pessoal de Florinda Bolkan. Fantasia egocêntrica: ela pegou para si o único papel viável do filme. Com ares de condessa e sotaque italiano, a sua Eleonora é a única personagem equilibrada. E a única com uma namorada bonitinha.
Fantasia cruel, também. As outras personagens, sem exceção, são burras e desagradáveis. Ela maltrata suas colegas atrizes: obriga Suzana Gonçalves a urrar, Ingra Liberato a fazer cara de paçoca e Maria Zilda a encolher a barriga.
Desembolados, nenhum dos três filmes contidos em "Eu Não Conhecia Tururú" cumpre seus objetivos. A comédia não diverte. A propaganda dá vontade de não ir nunca ao Ceará. E o manifesto lésbico retrata todas as mulheres, exceto Florinda Bolkan, como estúpidas.


Eu Não Conhecia Tururú  
Direção: Florinda Bolkan
Produção: Brasil, 2001
Com: Ingra Liberato, Suzana Gonçalves, Herson Capri, Fernando Alves Pinto
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco



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