São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2005

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Diretor busca narrar história com clareza

DO ENVIADO A MANAUS

O "Ring" é de uma profusão tão incrível de ingredientes simbólicos e dramáticos que os diretores cênicos precisam selecionar suas ênfases e prioridades.
O inglês Aidan Lang, que o dirige em Manaus, diz que a seu ver o principal fio condutor é a oposição entre valores masculinos -o poder, a força, expressos pelo deus Wotan ou pelo Nibelungo (anão das profundezas da Terra) Alberich- e os valores femininos -o amor e a natureza, presentes por exemplo em Freia, deusa da juventude e da vida.
O diretor crê que Wagner mostra o mundo como desprovido do equilíbrio entre essas forças antagônicas. A "esperança" de que o equilíbrio volte está no amor entre Siegfried, adolescente incorrompido e herói que desconhece o medo, e a valquíria Brünnhilde, que se descobre como mulher após ser punida pelo pai, Wotan, com a perda da imortalidade.
"O teatro lida com a palavra metafórica", diz Lang. O que também vale para a ópera. A montagem dele escapa do "naturalismo" com que o "Ring" era feito no final do século 19. E tampouco cai em visões abstratas que seriam incompreensíveis para quem está vendo e ouvindo essa obra pela primeira vez.
Aposta-se no equilíbrio: "Toda encenação de Wagner é um encontro entre o passado, de onde falam o compositor e o material temático, e o presente, que são o público e os intérpretes", diz Aidan Lang, que tem uma visão muito particular sobre a evolução de Wotan ao longo das quatro óperas. Em "O Ouro do Reno", ele é um "deus jovem e idealista", que se contrapõe ao cinismo de Loge trapaceiro, o deus do fogo. Já no episódio seguinte da tetralogia, "A Valquíria", que ocorre cerca de 20 anos depois, Wotan também se tornou cínico e "aceita com maior facilidade pagar por seus próprios erros".
Outra transição ao longo do ciclo está na diluição da deicidade. Em "O Ouro do Reno", Wotan encomenda a construção do Walhalla, o mundo dos deuses. Já no final do ciclo, em "O Crepúsculo dos Deuses", a cena é dominada pelos mortais. O Walhalla está desativado. Predomina em cena a ambição dos humanos.
Essas e outras transformações estão presentes por meio de meras "sugestões" da direção cênica. A prioridade, diz Lang, é a de narrar o enredo com clareza, para não perder a relação de cumplicidade com o público.
(JBN)

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