São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2005

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DANÇA/CRÍTICA

Mostra enfoca longevidade do artista e expressão coreográfica

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Duas grandes questões, que afinal se tocam, percorreram a mostra "Movimentos Vol. 1": a longevidade da vida cênica de um dançarino e a capacidade de comunicação na dança. Criada pelo Studio 3 e organizada em torno da Cia. Sociedade Masculina, a mostra, que teve lugar ao longo da semana passada no teatro Alfa, apresentou nomes conhecidos como Luis Arrieta e Ivonice Satie, grupos consagrados como Quasar e o Balé da Cidade e também grupos mais novos, como a Companhia Jovem El Passo de Dança e a própria Cia. Masculina. O que se viu foi uma multiplicidade de estilos, de idéias e de formas, com resultados muito diferentes nas 17 peças apresentadas.
É sempre interessante ver a Quasar dançar "Coreografia para Ouvir", de seu coreógrafo residente, Henrique Rodovalho. A relação entre as palavras da música, o caráter particular dos movimentos e o posicionamento dos corpos no espaço aprofunda as seduções da superfície, deixando transbordar um interior rico de sensualidade, sensação, consciência. O mesmo Rodovalho criou "Chorando" para a Cia. Masculina -um grupo de cinco bailarinos, de técnica apurada. Os movimentos característicos do coreógrafo foram bem executados formalmente, mas a estranha sensação era que as informações não passavam da epiderme da cena. (Um risco secular da dança: como garantir que belos movimentos não se tornem vazios?)
Esse mesmo tipo de questão se fez notar nas "Resenhas do Improviso", dançadas pela Cia. 2 do Balé da Cidade, com direção de Luiz Fernando Bongiovanni. A peça emprega técnicas de improvisação, marcadamente do coreógrafo William Forsythe; o desafio, aqui, talvez esteja em fundar unidades de linguagem no próprio corpo.
A Cia. 2 apresentou também "Ponto Final da Última Cena", coreografia de Sandro Borelli, interpretada por Mara Mesquita. Cada gesto ali porta seu sentido, mesmo na amplidão do palco do Alfa, onde a tensão coreográfica se perde um pouco.
A Cia. Masculina dançou também "Laços", de Deborah Colker. Aqui o vigor dos movimentos característicos de Colker foi suavizado pela dinâmica da própria coreografia, que enfatiza a sobreposição dos corpos no espaço. Uma coreografia simples, em que a música ao vivo e o cenário são partes fundamentais da obra. Mas ficou visível que o grupo não estava tão fluente como poderia. Já em "Saga", de Ivonice Satie, a Cia. Masculina encontrou um pouco mais de acento na execução de uma coreografia que combina gestos da linguagem clássica com movimentos mais soltos -desde gestos do dia-a-dia até impulsos vigorosos do corpo no ar.
Cabe ressaltar que ao longo da mostra também se apresentaram dançarinos mais experientes, como Satie, Arrieta, Ruth Rachou e Vera Lafer. A questão implicitamente posta aqui não é a da idade, mas sim a da condição de um intérprete gerar sentido expressivo através do movimento. Vale dizer: de um intérprete que busca ou inventa virtudes para sustentar o que cada corpo pode fazer. Se não por outros motivos, a mostra teve o valor de ressaltar tal lição.
A passagem de uma técnica de um corpo a outro (de uma companhia a outra, no caso de Rodovalho) é só o exemplo mais evidente de algo que se revela na relação de cada corpo consigo. A dança nos ensina muita coisas; entre outras, a chance, real ou imaginária, de não sermos estrangeiros em nosso próprio corpo.


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