São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2006

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Nostalgia da modernidade

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

"Temos que dar esse crédito à Luftwaffe. Construímos no lugar dos prédios destruídos pelos bombardeios algo pior que entulho."
Príncipe Charles, em 1984

Há duas décadas, o príncipe Charles dizia que os arquitetos modernos tinham feito mais estrago à paisagem londrina que os bombardeios da força aérea nazista. Muitos compatriotas concordaram. Edifícios como o Barbican e o National Theater, dos anos 70 e 80, desagradavam os locais. Charles defendia os estilos belas-artes dos séculos 18 e 19.
Hoje, sabe-se que para o herdeiro britânico beleza não é fundamental. E o modernismo está em alta no Reino Unido. Não só pelo sucesso de Norman Foster na paisagem de Londres.
Uma grande exposição no Victoria & Albert Museum é dedicada ao movimento que pretendia redesenhar o mundo. Suas salas estão repletas de maquetes e objetos desenhados pelos pais do modernismo, como Le Corbusier, os diretores da escola alemã de artes Bauhaus, Walter Gropius e Mies van der Rohe, e Marcel Breuer, entre outros.

O essencial
A exposição foca o momento "heróico" do movimento moderno, que vai de 1914 a 1939. Com os horrores da Primeira Guerra Mundial e a influência da utopia comunista da Revolução Russa, uma geração de arquitetos e artistas quis provar que o design e a tecnologia poderiam transformar a sociedade.
Os modernistas foram muito influenciados pelo pai da indústria automobilística, o americano Henry Ford. A linha de montagem e a produção em massa poderiam democratizar o acesso a bens de consumo e facilitar a vida dos trabalhadores. A negação do passado tinha uma defesa moral. Trocar ornamentos por austeridade significava ir ao essencial, ao "uso honesto" dos materiais.
"Há uma grande nostalgia pelo modernismo, por todo o idealismo dele, que hoje se perdeu", diz a urbanista e historiadora Sarah Ichioka, professora do Cities Program, da London School of Economics. "Havia uma intenção democrática de produzir consumo e distribuição para as massas."
Há diversas obras na exposição que mostram essa fúria criativa e o "espírito social" do movimento. De uma réplica da primeira cozinha modulada feita em grande escala para um conjunto habitacional de Frankfurt, em 1927, a diversas cadeiras sem ornamentos para facilitar a produção em massa.

Críticas sarcásticas
Assim como o comunismo, o modernismo mostrou logo suas limitações. A arquitetura sozinha não conseguiu mudar o mundo. O sucesso da exposição levou detratores do movimento a ressuscitar críticas ferozes ao modernismo, como a publicada no jornal "The Guardian", pelo crítico Robert Hughes. "Arquitetos adoram os conjuntos habitacionais de Le Corbusier. Os infelizes que moram lá, não", escreveu.
O escritor Tom Wolfe publicou em 81 o ensaio "Da Bauhaus para a Nossa Casa", em que já espezinhava os modernistas. "Qualquer tentativa de sentar em uma chaise longue de Le Corbusier equivale a um golpe de caratê na nuca."
Para um dos maiores responsáveis pela redecoberta do modernismo no mundo, o americano Terence Riley, essas críticas são "absurdas". Riley dirigiu durante 14 anos o Departamento de Arquitetura do MoMA, em Nova York. À Folha, ele afirmou que "o modernismo é a esperança de que o futuro possa ser melhor que o passado".
"No seu momento heróico, os modernistas radicais, como Ícaro antes, foram longe demais. Pós-modernistas achavam que o passado era a resposta. Só que essa premissa ficou com cara de Disneylândia", diz ele. Segundo Riley, "é perigosa a arrogância de achar que não se pode melhorar o que já foi feito".


O jornalista Raul Juste Lores viajou a convite da Ditchley Foundation


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